quarta-feira, 30 de novembro de 2005

POSTAIS DE NATAL

Inicia-se aqui na Formiga, durante 4 semanas e às quartas feiras, uma nova rubrica que se chama Postais de Natal. Durante estas 4 semanas do advento vamos estudar 4 obras sobre o nascimento de Jesus, sob o ponto de vista de Panofsky (perceber através das linhas e das cores, dos volumes e da colocação dos planos, qual o objectivo do artista).

Esta semana começamos com Botticelli. Botticelli (que chegou a abrir em parceria com Leonardo da Vinci uma taberna), trabalhava para Lorenzo di Pierfrancesco, inimigo de Savonarola. Porém, o irmão de Botticelli, Simone, era um seguidor do frade dominicano. Botticelli entrou na onda do fervor religioso que se vivia na época talvez por influência do irmão e chegou mesmo a queimar algumas obras nas célebres fogueiras de Savonarola. Se calhar, entre elas, as que faltam de um conjunto de desenhos sobre a "Divina Comédia" de Dante. (Todos os artistas italianos do Renascimento liam Dante Aligheri).

A Natividade é uma daquelas representações literárias/bíblicas compreensíveis pelo olho de qualquer um. É uma descrição de uma passagem biblíca (na Bíblia o Nascimento de Cristo não tem metade dos pormenores que revestem estas representações), do pintor e das ideias que eram evidenciadas no seu tempo. Esta foi a única pintura que Botticelli assinou.

Apesar do carácter pagão e hedonista de "O Nascimento de Vénus", Botticelli preocupava-se mais com a alma: a sua preocupação com a alma traduzia-se numa fome mórbida pela beleza física. A Natividade que aqui apresentamos insere-se nessa preocupação.


Sandro Botticelli
The Mystical Nativity
1500
The National Gallery, Londres

As Natividades são geralmente agradáveis, mas não neste quadro em que se mostra - ao contrário da maior parte das pinturas - , uma luta espiritual em que a dor está presente. A pintura é feita de diagonais angulosas a começar pela base onde criaturas aladas tentam reconfortar os mortais (mas veja-se como as asas se diluem na paisagem. Por mais que se esforcem, estes anjos nunca vão ascender). As pedras que entram dentro da cabana parecem lanças. Porém, no telhado da cabana, a dinâmica é diferente: as angulosidades são cortadas pelas linhas horizontais. A primeira é formada pelo grupo de 3 anjos: mãos alinhadas, cabeças com a mesma altura,... A segunda é formada pela roda de anjos com 2 níveis de altura, mas sempre respeitando a linha horizontal que transmite tranquilidade.

Curioso é ver a diferença de escalas entre e Virgem e o Menino e as restantes figuras, algo que era comum na arte bizantina, mas não na arte do Renascimento. Não existe sequer a tentativa de criar uma perspectiva credível, ao contrário das figuras do topo, bem representadas, talvez porque quanto mais perto do céu estamos, mais sagrada se torna a nossa condição; ou menos profana. (É o mesmo princípio da arquitectura gótica).

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