BELUGA OU A FORMIGA A QUATRO MÃOS
Entre a Granja e Valadares
"Quando a minha idade era outra que não esta, eu e o meu irmão passavamos as tardes dos Domingos de Verão na esplanada, com os gelados de morango na boca, a ver os outros passar.
Depois do almoço, e como os "ice-creams" da gelataria frente à praia eram tão grandes quanto nós éramos pequenos, deixavamo-nos com os olhos vidrados naquelas pessoas, a boca adormecida e rubra. E víamos. Víamos os casais de gestos ternos e apaixonados, elas bonitas e esguias, com o corpo dolente pendurado no braço esquerdo deles, a mão delicada a depenicar de forma gulosa o algodão doce, o estacar de ancas que se entrevia no fino vestido de chita, o pescoço desejoso amortalhado pelo laçarote da moda. E eles de firme braço esquerdo a desejar o pescoço desejoso, e o resto por ali abaixo, e por ali abaixo e por ali abaixo. A mão direita atirada para trás como um cabide feito por dois dedos - o indicador e o médio - que segurava o casaco.
Também víamos homens sozinhos e sem elas ao lado, a ouvir pelo rádio o relato de futebol, a trocar uma ou outra palavra sobre a partida, a despedirem-se cedo do mar e dos outros casais e de mim e do meu irmão.
Elas tinham pena do findar do dia, dos carinhos, de alguém que lhes desse o braço. Eles tinham pena porque seria mais uma semana sem elas, uma semana a desejar passear ao lado do pescoço desejoso.
Eu e o meu irmão mantínhamos o pau do gelado na boca e, quando todos os participantes da maratona de esplanada haviam partido para o seu início de semana, viravamos os joelhos para a praia, víamos o pôr-do sol, crianças a sacudir a areia dos pés, o morrer manso do mar na praia. A fome ou a voz da minha mãe chamava-nos, mas era como se já tivéssemos comido."
(in, "O Simétrico")
*Perdoem-me a ausência de uma imagem ilustrativa.
Sem comentários:
Enviar um comentário