domingo, 19 de fevereiro de 2006

DO LADO DE CÁ - II


Edouard Manet
A Bar at the Folies Bergeres
1881-1882
Courtauld Institute Galleries, Londres


Porque me olhas assim? Ai menino, não vale a pena! Sim, sinto saudades tuas, penso em ti com frequência… Ainda ontem, por exemplo, reparei que as minhas mãos estavam a perder algum do brilho que elogiavas quando as tuas as tocavam apressadas, no corredor que dava para as traseiras do bar. Ai que saudades: do cheiro que tu dizias ser pestilento, mas que eu sempre achei mágico. Era um cheiro que encerrava para mim um mundo desconhecido; o mundo das tuas mãos a tocar nas minhas, as primeiras mãos a tocar as minhas. Depois de ti, ai menino, tive tantos homens que até coro de pensar! Mas sim, sinto a tua falta e quando vi a falta de brilho nas minhas mãos, pensei nas tuas. Já morreste?

Ai menino, não me leves a mal, mas é que uma rapariga – e eu ainda sou uma rapariga, agora tenho 41 – tem de ser assim. Casei com um tipo pouco mais velho que tu, a quem bastava mostrar o tornozelo para ele se dissolver em olhares como labaredas e quadras que só de ler uma rapariga perde o fôlego. Além disso, tinha família bem posta no Brasil e terrenos a perder de vista para os lados de Valadares. Levava-me a sítios onde as nossas mãos apaixonadas nunca nos levariam, embora as minhas não sentissem pelas dele o mesmo que sentiam pelas tuas. Não me leves a mal menino, não penses que não sou dada ao sentimento, que fiz um belo casamento por causa dos terrenos. Fiz porque uma rapariga – e eu sou uma rapariga, agora tenho 41, já te tinha dito? – tem de se mexer. Não pode ficar agarrada a um passado do qual apenas recorda o brilho das mãos, e uma dor da partida no peito semelhante a um tiro de canhão disparado da janela por uma frota impiedosa de piratas que fazem tesouros com as infelicidades da vida. A de nos termos perdido.

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