quarta-feira, 29 de março de 2006

BELUGA OU A FORMIGA A QUATRO MÃOS

Fazer omeletas sem partir ovos, ou “Michelangelo drawings – closer to the master” exposição no British Museum


Há expressões que só compreendemos mais tarde. Num tempo em que a minha idade era outra que não esta, parecia-me impossível fazer omeletas sem partir ovos e por várias vezes perguntei aos meus pais, à minha avó se por acaso se podia fazer um buraquinho no ovo, com uma agulha. Se isso valia ou contava como “partir ovos”. O que o British Museum fez com a exposição “Michelangelo drawings, closer to the master” foi mais ou menos o que eu faria com o ovo: abrir um buraquinho que, sem partir o ovo em duas partes, permitiu fazer uma omeleta vistosa porém, não totalmente saborosa. O British Museum inaugura uma exposição que é mostrada como imperdível, com uma máquina bem oleada pelo marketing e que levou por estes dias – e levará até ao fim – muitas pessoas até Tottenham Court Road. Acontece que o que funciona é a máquina e não a exposição:
i – Os desenhos que supostamente traçariam a carreira de Miguel Ângelo são provenientes de três colecções: a do Teyler Museum na Holanda, do Ashmolean Museum em Oxford e a do próprio British; ou seja, com a “prata da casa” se fez uma exposição de fama propalada. Mas se Miguel Ângelo viveu e trabalhou tanto tempo em Bolonha, Roma e Florença, porque é que não existe um único desenho das colecções dos museus do Vaticano, por exemplo?
ii – O espaço da exposição é claustrofobicamente apertado e quase uma afronta ao mestre: digamos que alguns desenhos merecem um espaço onde possam respirar e que em relação a outros o design de exposições está adequado à relevância dos mesmos; ou seja, médio, assim-assim. Note-se o uso excessivo e extensivo de texto que levam a que o visistante ávido leia tudo em vez de ver tudo.
iii – O excesso de texto serve no fim de contas para explicar ao visitante coisas que o próprio marketing não tem coragem de explicar a partir do momento em que cria uma mega exposição sem razão para tanto barulho. É uma exposição sobrevalorizada pela referida máquina que sente necessidade em se justificar perante um bom número de visitantes que não têm vocação para leigos, sob pena de ver a sua bilheteira “às moscas”. Na verdade nem todos os desenhos expostos são de Miguel Ângelo e como muitos dos seus estudos, como sabemos, foram destruídos pelo próprio ficaram em exposição apenas pequenos apontamentos.
iv – Existiu também – e desconheço a razão – uma aproximação constante a desenhos e pinturas de outros artistas, coetâneos de Miguel Ângelo, que nos fazem pensar, enquanto lemos o texto da exposição, que Miguel Ângelo não era o mestre. E eu não quero isso. Eu quero que a arte me continue a alimentar a crença que estamos perante o trabalho de um ser superior. Há que ter em conta o nome da exposição: “closer to the master”. Quão “closer”? “Perto” no sentido de vermos aquilo que mais ninguém pode ver, uma oportunidade única para ver Miguel Ângelo – e aí sim, o marketing funciona na perfeição – ou “perto” no sentido de espiolhar a intimidade do mestre, desmitificando-o, uma vez que sabemos que quanto mais conhecemos sobre algo mais esse algo perde para nós o fascínio inicial?

Miguel Ângelo
A male nude seen from behind
1539-1541
British Museum

No meio de alguma casca de ovo lá sai a omeleta, do lado direito de quem entra, numa loja só com artigos relativos à exposição: do lápis à jóia, tudo com uma celeridade e eficiência de vendas patentes na possibilidade do visitante comprar sem ter passado pela exposição (um Museu que não cobra entradas para a exposição permanente). Uma operação de marketing asséptica, cirúrgica que peca por ser tão transparente no seu objectivo puramente económico. E por não ter contemplado tapetes para o rato, um “must have” de qualquer CCE (Consumidor Compulsivo de Exposições).

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