quinta-feira, 30 de março de 2006

CUMPLICIDADES - III
michael tarantino/pedro cabrita reis
























pedro cabrita reis
1998 - Os cegos de Praga #9

Sabia bem estar na rua, envolto pelo calor da noite de Verão, pelas centenas de pessoas a beber encostadas aos carros. Sugeriu-se um outro bar, mas ele começava a sentir-se cansado. Resistiu, mas acabou por ser derrotado pela gentil insistência do anfitrião. Apanharam um táxi. Se o último bar parecia perdido no tempo, entrar neste era como entrar num écran de televisor. E, neste caso, era como estar num bar mesmo atrás da floresta de Twin Peaks. Não passava de um pequeno balcão de madeira com um palco em frente, emoldurado a veludo vermelho. O chão era preto e branco como um tabuleiro de xadrez. Contudo, onde Davi Lynch colocou um anão a cantar e a dançar de costas, tinhamos aqui mulheres de pequena estatura, (será que "anãs" é uma palavra mais simpática e politicamente correcta?) a desfilar umas atrás das outras e a fazer strip-tease para o público (o público resumia-se a nós os dois, uma família de quatro pessoas que bem podia ter ali caído de uma quinta no Canadá, e ainda dois homens de negócios que não eram da cidade, certamente.) Pedimos whiskys duplos que, obviamente, mais pareciam quádruplos. Eram quase três da manhã. Já não suportava ver despir pequenos soutiens enfeitados de lantejoulas à altura dos joelhos. E receava que a dança de colo estivesse quase a começar. Fomo-nos embora, portanto. Mais um táxi. Desta vez queria mesmo voltar para o hotel. Contudo, foi quando me apercebi que tinha um problema horrível para resolver. Não sabia a língua e tinha-me esquecido do nome do meu minúsculo hotel, que nem sequer tinha cartões de visita. Só o P se lembrava. E ele estava resoluto em irmos ainda para o próximo sítio. Voltando para trás, do lugar da frente, disse "só mais um bar... nunca lá estive, mas acho que é o lugar perfeito pra acabarmos a nossa noite." Era curioso: à medida que eu me ia sentindo mais bêbedo, mais exausto, o P reunia energias, tornava-se mais lúcido, só queria chegar à próxima paragem desta viagem sem fim.

in: Pedro Cabrita Reis, livro editado por Hatje Cantz Publishers.
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