CUMPLICIDADES - IV
michael tarantino/pedro cabrita reis
pedro cabrita reis
1998 - Os cegos de Praga #9
O táxi pára ao pé de um edifício de aspecto vulgar onde está um grupo de umas vinte pessoas em fila para entrar. O P sai do carro, dirige-se ao porteiro, que o cumprimenta como a um amigo que já não se vê há imenso tempo, e acena-me para entrar. Um comportamento curioso para quem nunca antes tinha estado neste sítio. Como era de esperar, assim que passámos pelas pesadas cortinas pretas damos outro salto no tempo. Desta vez é a Febre de Sábado à Noite. Lâmpadas de 60 watts a piscar, homens de fato e camisola brancos, danças disco que me fizeram ter saudades das strippers anãs...
E, sentadas a umas mesas à volta da pista, estavam mulheres lindíssimas de cair para o lado, com idades dos 18 aos 70 anos. Estou a adivinhar a idade da mais velha, mas acreditem que era tão espampanante como qualquer uma das companheiras mais novas. E pareciam todas tão frias, tão distantes. Nunca olhariam para nenhum dos homens no clube sem que se fizesse um gesto na sua direcção. Tudo muito discreto. Só então elas olhariam e, por fim, dirigir-se-iam para a mesa.Este ritual nunca se concretizaria na nossa mesa, claro. Suponho que o P gostaria que isso acontecesse mas agora estava ali para se fazer de inocente, só para olhar, para me impressionar a mim, o forasteiro. De qualquer forma, ele não se apercebeu do meu estado quase catatónico. Então ficámos a observar o desenrolar do pequeno jogo do gato e do rato, como um véu narcotizante a passar devagarinho por cima de tudo o que já se tinha passado nessa noite.
O nosso empregado veio à mesa. (Ele não tinha nada a ver com o décor, com os anos setenta. O seu deslocamento no tempo remontava a um tempo ainda mais remoto. Parecia que tinha acabado de servir uma mesa em 1945, sem nenhuma pausa, sem se dar conta de qualquer mudança que tivesse ocorrido. Estava inescrutável, impecável). Pedi uma água mineral. Ele olhou-me como se este pedido tivesse sido a coisa mais espantosa que lhe tivesse acontecido em cinco décadas a servir à mesa. Contudo, não disse uma só palavra. Anotou o pedido de um whisky para o Pedro (o que é que havia de ser?), e voltou com dois. Nem sombra de água. Achei melhor não discutir. E bebi-o, muito submisso.
E, sentadas a umas mesas à volta da pista, estavam mulheres lindíssimas de cair para o lado, com idades dos 18 aos 70 anos. Estou a adivinhar a idade da mais velha, mas acreditem que era tão espampanante como qualquer uma das companheiras mais novas. E pareciam todas tão frias, tão distantes. Nunca olhariam para nenhum dos homens no clube sem que se fizesse um gesto na sua direcção. Tudo muito discreto. Só então elas olhariam e, por fim, dirigir-se-iam para a mesa.Este ritual nunca se concretizaria na nossa mesa, claro. Suponho que o P gostaria que isso acontecesse mas agora estava ali para se fazer de inocente, só para olhar, para me impressionar a mim, o forasteiro. De qualquer forma, ele não se apercebeu do meu estado quase catatónico. Então ficámos a observar o desenrolar do pequeno jogo do gato e do rato, como um véu narcotizante a passar devagarinho por cima de tudo o que já se tinha passado nessa noite.
O nosso empregado veio à mesa. (Ele não tinha nada a ver com o décor, com os anos setenta. O seu deslocamento no tempo remontava a um tempo ainda mais remoto. Parecia que tinha acabado de servir uma mesa em 1945, sem nenhuma pausa, sem se dar conta de qualquer mudança que tivesse ocorrido. Estava inescrutável, impecável). Pedi uma água mineral. Ele olhou-me como se este pedido tivesse sido a coisa mais espantosa que lhe tivesse acontecido em cinco décadas a servir à mesa. Contudo, não disse uma só palavra. Anotou o pedido de um whisky para o Pedro (o que é que havia de ser?), e voltou com dois. Nem sombra de água. Achei melhor não discutir. E bebi-o, muito submisso.
in: Pedro Cabrita Reis, livro editado por Hatje Cantz Publishers.
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