BELUGA OU A FORMIGA A QUATRO MÃOS
What does it take to be na artist?
A Revista americana ArtNews Magazine apresenta este mês um artigo que também faz a capa e que se refere às novas formas de pintura baseadas essencialmente na fotografia. Numa exposição assinada por Linda Yablonsky, fala-se de algo que há muito tempo vem sendo tema de discussão no mundo da arte – e que leva muitos a afastarem-se dela – e que se prende com a definição da mesma num momento em que tudo parece já ter sido inventado. O mote é uma pintura de esmalte sobre alumínio da artista Marilyn Minter (uma das obras desta artista é a capa do mês de Abril da ArtNews), imagem da “Day for Night”, bienal deste ano do Whitney Museum e que mostra um olho verde maquilhado em tons de vermelho. Posto desta forma, nada faria prever a polémica, mas ela revela-se na maneira como a obra foi executada. Foi tirada uma fotografia ao dito olho, manipulada em computador, projectada no alumínio e pintada a partir daí. Não será de estranhar que o título do artigo seja “Slides and Prejudice”.
A questão não é nova nem os seus contornos desconhecidos. Dizer que a obra é menos válida porque se socorre da projecção, é renegar anos de arte, pelo menos no que diz respeito aos artistas que se socorreram dela. É renegar Warhol, Hockney, Jenny Saville e John Currin (estes dois últimos já falados no Belogue, contemporâneos e que por isso nos levam a acreditam num neo-neo-hiper-realismo, ou num super-novo-romantismo). É esquecer a importância de Gerhard Richter e Chuck Close e retirar-lhes o estatuto alcançado (mesmo que no caso de Chuck Close a mimésis seja o propósito e este, totalmente novo. Talvez por isso também mais válido?).
Dizer que uma obra é menos obra porque se socorre da fotografia é pegar fogo ao Musée d'Orsay, uma vez que todo o Impressionismo se baseou na descoberta da fotografia, primeiro com Niépce e depois com Nadar. Hoje sabemos que nem todas as paisagens (Monet), as bailarinas (Degas), as cenas da vida quotidiana (Manet), e que se podiam dizer pintura de “plein aire”, traduziam o momento em que eram pintadas. Eram, muitas delas, pinturas de atelier que traduziam antes a vontade do artista em explorar os cambiantes de luz e sombra sugeridos pela fotografia.
Dizer que uma obra que não se baseie unicamente no eixo cabeça-mão do artista não é uma verdadeira obra de arte, é arrumar Veermer, Dürer, Miguel Ângelo e outros. Veermer baseou-se na câmara escura, algo que envolvia muito mais do que apenas a ideia pré-romântica de paleta e inspiração. Ainda que a câmara escura não fosse a imagem projectada na tela, era mesmo assim um sistema complexo de espelhos e lentes que também permitia projectar uma imagem reduzida sobre as superfícies a trabalhar. Nota: Canaletto serviu-se dela, Bernardo Belloto também e Leonardo da Vinci escreveu sobre este aparelho. Dürer por seu lado inovou e tornou mais credível a perspectiva graças a um sistema que utilizava um vidro e a imaginação para fazer passar por cada ponto do objecto a desenhar, raios luminosos. O próprio Dürer era da opinião que não se devia desenhar à mão livre, mas sob princípios matemáticos. A técnica utilizada para cobrir o tecto da capela Sistina é-nos tão familiar que parece quase pueril. Miguel Ângelo fazia os seus esboços, depois, e através do método da quadrícula, aumentava os mesmos esboços para o tamanho pretendido num suporte mais rígido que o papel (cartão), recortava as figuras, colava-as nas paredes, traçava-lhes a silhueta e daí partia o desenho. Para além disso, em muitos dos trabalhos destes artistas e em quase todos dos artistas mais famosos, o recurso a aprendizes para acabar a obra era frequente.
Para saber mais, é indispensável ler e ver o livro de David Hockney “Secret Knowledge: rediscovering the lost techniques of the old masters” (Numa Fnac perto de si, mas só sob encomenda).
Na opinião Beluga (que estava para ficar em roda-pé, a letras pequeninas), arte também é técnica e técnica também é arte. A questão aqui para nós não é a da manipulação da imagem, nem da sua apropriação, mas de saber, perante um Currin, ou um outro qualquer, qual deles merece figurar nas histórias de Arte. Numa altura em que o investimento em arte é o segundo que mais retorno oferece, quem é o “verdadeiro artista”? O que chega primeiro, ou o que chega a algum lado mesmo que seja o único?
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