CUMPLICIDADES - V
michael tarantino/pedro cabrita reis























pedro cabrita reis
1998 - Os cegos de Praga #9

À medida que nos aproximávamos das seis da manhã, não havia a menor pressão para fazer outra coisa que não fosse dedicarmo-nos às nossas bebidas. No final, uma sensação incrível apoderou-se de mim. O cansaço tinha desaparecido. Já não estava bêbado. Estava esfomeado. Disse isso ao P e foi como se, nas últimas duas horas, ele estivesse estado à espera que eu o dissesse. "Era exactamente isso que eu estava a pensar". Saímos. Comemos um bitoque e bebemos Bordeaux. Foi glorioso. Contudo, depois de um whisky para acabar, já suplicava pelo nome do meu hotel. O P estava claramente a fraquejar. Talvez lhe tenha ocorrido a ideia de me deixar ali e prosseguir a noite. Mas essa ideia só durou um segundo. Quando estava prestes a informar o taxista de como chegar ao meu totalmente obscuro hotel, teve outra ideia. "Só mais um sítio...tens de ver este sítio. Depois, cama."

Só me lembro de olhar pela janela do táxi. Eram mais ou menos oito e meia da manhã. O P estava em frente a uma porta verde de uma outra casa vulgar. Estava a discutir com uma pessoa que estava do lado de dentro e que apontava muito para o relógio. O P jã não parecia ter muita força de vontade. Finalmente, depois de cumprimentar o seu interlocutor, numa tentativa de mostrar que não guardava ressentimentos e que regressaria (talvez nessa noite), voltou para o táxi. (Nessa altura, pensei que talvez tivéssemos chegado cedo demais.) Seja como for, regresso ao hotel.

in: Pedro Cabrita Reis, livro editado por Hatje Cantz Publishers.
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