domingo, 2 de abril de 2006

PLASTICINA OU A “CAIXINHA DE MÚSICA”



Plasticina é, não sei se como todas as encenações de Nuno Cardoso, uma obra não linear. Já com Woyzeck de Georg Büchner, observei com atenção uma encenação que privilegiava as pequenas (em tempo e espaço) cenografias, bem como as paralelas. Aproxima-se assim do meu ver e cada vez mais da realidade, uma vez que a acção principal, aquela que está sob o foco mais forte, se desenvolve ao mesmo tempo que outras acções “menores”. Não o são de facto menores, apenas não se encontram sob a mesma luz de vocação, pois em tudo o resto mostram independência e capacidade de sucessão – têm tempos próprios que não estão submetidos à acção a decorrer, chegando mesmo a interrompê-la, e dão-lhe continuidade. Há em Plasticina, assim como houve em Woyzeck um microcosmos paralelo ao macrocosmos que nos alerta para a necessidade de relativizarmos a nossa realidade, uma vez que ela é constituída por inúmeras variáveis, muitas delas, alheias à nossa vontade.
Plasticina é uma caixa de música, de onde sai não a bailarina, mas o morto, nem por isso menos adorável ou caprichoso na atenção que nos pede. É igualmente uma peça da recente dramaturgia russa onde a violência não tem um contraponto; ou seja, se há consciência da humanidade, é na desumanidade das personagens e de resto, num ambiente que as molda (Note-se que o cenário de destruição é sempre o mesmo, o que nos leva a pensar que as personagens, moldadas na guerra, na droga, no álcool, na pobreza e na solidão, não podiam ser de outra forma).

Na minha opinião, é uma violência demasiado gritada, constantemente afirmada, que não magoa mais dita duas vezes que uma, porque já o é violência em qualidade e não em quantidade.

Para finalizar, até porque esta é apenas uma opinião, duas notas:
- No manual de leitura da peça que nos é oferecido à entrada, pode ler-se na nota biográfica de Vassili Sigarev: “Acontecem coisas mais interessantes na vida do que nos livros”. Talvez seja por isso que na encenação, Nuno Cardoso (desconheço se é uma interpretação do encenador do texto original, se esta cena se encontra escrita nestes moldes) se tenha socorrido do cinema, e mais concretamente do filme Beleza Americana, na célebre passagem do saco do lixo a voar acompanhado pela frase “Às vezes há tanta beleza no mundo”, quando “chovem” sacos de plástico (Aceitam-se outras interpretações).
- Há uma conotação constante com o bailado nesta encenação de Nuno Cardoso. Observem-se para isso as coreografias de Paulo Ribeiro e notem-se nichos de “pé-de-dança”, gestos tipificados e em relação próxima com o corpo, com o auto-conhecimento do mesmo e do do outro.

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