PORTO DE ABRIGO
Foi erro crasso, aquele que cometeu o homem que conferiu ao Porto o género masculino. Porque o Porto é, sem direito a discussão, uma mulher: uma mulher de sobretudo azul escuro, feita de granito que se pode ver, como um D. Sebastião, em manhãs de nevoeiro, a levantar-se em vapores na curva do rio.
Nas vielas com cheiro a urina; na cascata de casas dispostas cosmicamente e que se precipita sobre o Douro; nas noivas amortalhadas que julgam o princípio do sua vida junto do barco turístico com toalhas enodadas de vinhos de outras bodas; nos acordes de um “Summertime” faminto, tocado frente ao “cubo”; num “Ó riquenza, benha cá!”; nos turistas ucranianos que apreciam aquela pequenez miniatural que se multiplica e por isso se agiganta; na roupa fresca que une casas de ruas diferentes por cima das nossas cabeças em grinaldas íntimas; na escatologia deixada nas praças e jardins; no cosmopolitismo e bulício cansados; nos mergulhos cinematográficos dos putos tendo como trampolim a ponte; o Porto é uma mulher.
Uma mulher que depois de nos ter, nos abandona na cama enquanto a vemos, cada vez mais enamorados, a colocar as ligas no lugar certo, a alinhar o vestido e a olhar pelo bico do seu sobretudo azul-escuro. A sorrir.
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