domingo, 7 de maio de 2006

Livro de reclamações...

... ou, devolvam-nos o suburbano fáchavor!


Claude Monet
Saint Lazare Station
1877
National Gallery, Londres

Sinhor dótor presidente da CP:
O meu nome é Arlinda Melo, faço umas tardes com empregada doméstica em casa de uns amigos da minha filha (tomo conta das crianças e assim) e venho por este meio pedir-lhe que nos devolva o suburbano antigo. É que eu já ando nisto há muito tempo e num pense que ninguém mas come assim in cima da cabeça queu já sou muto calejada. Anda nisto vai pra mais de 20 anos. 20? 25 essa é qué essa. E também sei cos grandes se cosem sempre cum as melhores linhas e os piquenos é que se tramam. Vocês dótores tiraram-nos os suburbanos cinzentinhos e sujos por alguma foi, mas eu vou-lhe dizer porque é que quero de volta essa grande instituição que é o suburbano, só comparável às ancas da Shakira. Eu e a Laurinha, uma moça que conheci no suburbano das seis da tarde e que lava cabeças ao domicílio.

Primeiro de tudo tenho a dizer que num tem jeito nenhum botar os comboios à hora, porque toda a gente sabe que as meias horas de atraso de antes eram muito boas para descongelar as caras de bacalhau que a gente comprava no Pingo Doce (são mais careiros, mas vale a pena que a cara de bacalhau de lá rende mais) na ida para a estação.
Depois num tem jeito nenhum aquele espaço todo dentro dos comboios que a gente até sente assim a modos que desconforto na alma. É que dantes, se a gente abria mais um bocadinho a pernoca, tocava no companheiro do banco ao lado e encetava-se logo ali uma cunversa agradável em que se discutia a novela, se fazia amizade, pronto! Toda a gente sabe que as melhores receitas de panadinhos in tamparuere se trocam nos suburbanos. Quantos panadinhos in tumparuere é que o sinhor comeu e que foram receita dada no suburbano, hã? Com tanto espaço num há calor humano, num há cunvívio.
Há outra coisinha que eu num gosto e vou dizer: o ar acondicionado. É que eu sei, que eu sou muto lida, que o ar que vem em caixinhas faz mal à saúde e eu inté estou com mais ácares no nariz e o médico diz que é do ar que num é bem filtrado. Mas porqué que você mandou tirar as janelas homem? Elas num tavam lá bem? Até tinha autoquilante para dar o lugar a grávidas, deficientes e acompanhantes de crianças de colo que eu li e as pessoas davam que naquela altura havia respeito, não é como agora que é uma pouco vergonha como diz o meu marido que é taxista e faz muto aquela zona. E depois, é uma questão diconomia, sinhor dótor. A gente que anda nisto vai mais de 20 anos cumo eu, devia ter um cartão dórado, com banda manganética e código cum numbros. A gente devia acumular pontos e ter discontos ao fim do mês, sei lá, digo eu assim de repente. A gente até podia fazer vendas por catálogo, levar amigos para viajar na CP e fidelizar o cliente, pagar in prestações.

Mas o que eu acho mesmo mal sinhor dótor, é que agora num há tropas nos comboios para dizer à gente: “ó jóia, anda cá ao ourives”. Tá mal sinhor dótor. Pa ondé que foram os tropas que zapareceram sinhor dótor? Depois de tirarem as costas do Tony Ramos da novela das 22h, o qué que resta à gente?

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