domingo, 4 de junho de 2006

Participação Dominical

Portugal

Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os
infiéis ao Norte de África
só porque não podia combater a doença que lhe
atacava os órgãos genitais e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que tudo é tudo mentira, que o Infante
D. Henrique foi uma invenção de Walt
Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do
Príncipe valente
Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino
nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electro-choques e está a recuperar
àparte o facto de agora me tentar convencer que nos
espera um futuro de rosas
Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se
contraía a febre do Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr encontrar uma pétala que fosse
Das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
Se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir
Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como pude apaixonar-me por um velho decrépito e
idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce, que os
pastéis de Tentúgal
e o corpo cheio de pontos negros para espremer
à minha vontade
Portugal estás a ouvir-me?

Eu nasci em mil oitocentos e cinquenta e sete, Salazar
estava no poder, nada de ressentimentos
o meu irmão esteve na guerra, tenho amigos que
emigraram, nada de ressentimentos
Um dia bebi vinagre nada de ressentimentos
Portugal depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas
a nado na piscina municipal de Braga
ia propor-te um projecto eminentemente nacional
Que fossemos todos a Ceuta à procura do olho que
Camões lá deixou
Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente.
na boca.

(de “De Manhã Vamos todos acordar com uma pérola no cu”, o Poeta Nu, Jorge de Sousa Braga)

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