quarta-feira, 9 de agosto de 2006

“Arte e Humor” ou “disseste arte e humor?” ou “disse” ou “sabes que arte e humor não é a mesma coisa que arte e riso”, ou “sei, mas eu também não disse arte e riso. Quando muito, arte e sorriso” ou “porquê?” ou “porque a arte é por vezes uma private joke” ou “porque é que não postas logo isso?” ou “porque é que não vais dar palpites para outro cérebro?” ou “Isto é a Formiga, não é o Belogue” ou “mais uma razão para voltares para lugar de onde não devias ter saído. posso?”, ou “força” ou “então andor que se faz tarde” ou “caramba, logo agora que ias começar a escrever” ou “se se portarem bem depois conto como foi”.
A típica imagem de um museu ou galeria de arte é a presença, numa das salas ou perante uma peça em particular, de um visitante que de pé ou sentado – caso se trate de um desses locais de exposição tão preocupados com o outro que coloque bancos confortáveis -, a contemplar de ar embevecido uma tela. Esta imagem desdobra-se como um origami em muitas outras, umas mais curiosas, risíveis ou ridículas que outras. Assim, certas obras de arte, pelo peso histórico e valor artístico que têm – ainda que isto seja totalmente subjectivo - merecem da nossa parte uma apreciação em jeito de adulação. Fazemos portanto o ofício religioso ali mesmo no museu ou na galeria, na feira ou na bienal, sem que os círios estejam acessos. Outras, que não desmerecendo a nossa atenção, parecem-nos particularmente inferiores algo que julgamos poder ver reflectido na ponderação de atenção que lhes deve ser dispensada. No entanto não é isso que se passa: há sempre um visitante diante de uma tela monocromática de grandes dimensões, ou uma instalação engagé, que medita religiosamente sobre o significado oculto, que só os olhares menos exigentes não são capazes de captar. Não se pense com isso que apenas defendemos – defendo – a arte figurativa em tamanho próprio para moradias suburbanas e à prova de criancinhas curiosas despejadas do seu quarto de brincar.

Miguel Rothschild
If you leave me, can I go with you?
1995
O que me interessa é ver como essa imagem é um reflexo do humor na arte, uma vez que nos arranca o sorriso, talvez o comentário, mas nunca o riso. Aliás, esta parece ser uma característica da pintura e da escultura, da arte estática, que vem desde os seus primórdios. Primeiro o riso foi amordaçado pela Idade Média que o considerava portador de males irreparáveis às mentes e espíritos mais franzinos, como é exemplificado, no tão referido nestas participações na Formiga, O Nome da Rosa de Eco. Depois, quando finalmente se pode soltar no Renascimento, a arte continuou a não provocar o riso por se encontrar presa ao racionalismo teórico e até a um certo receio de não cumprir a sua função educadora depois de uma altura de trevas. Uma atitude paternalista que até me arrancaria um sorriso se como autora desta teoria, não temesse a injustiça da mesma perante os grandes, os que sabem mesmo. Depois vieram os movimentos “do contra” ou do “puxar a corda”: o barroco contra o renascimento, o Rocócó a puxar a corda do barroco, o Romantismo contra tudo, o Realismo contra o Romantismo, o Impressionismo avant-la-lettre sem se importar com o passado nem com um presente de paz aparente e quando chegamos à fotografia e por fim ao cinema (arte que abre possibilidades novas dentro da arte e que se faz valer da sua capacidade de movimento, mas que por si só é feita de pequenos momentos estáticos e que consegue no fim a fixação desses momentos na nossa mente e não o movimento total, dando-nos assim a hipótese de dizer que o cinema não cumpre na totalidade com a sua função.), estamos a meio do caminho ainda sem uma risada. E penso até que sem um sorriso.

Sigmar Polke
Untitled
1968-1990



Avanço até ao dadaísmo ignorando os outros movimentos. Não o faço por lhes encontrar uma falta de empenho nesta busca incessante pelo riso, mas a verdade é que só com os ready-mades de Duchamps a arte parece encontrar a fórmula até aí desconhecida para fazer o observador rir. Não o consegue; nunca vi ninguém a tapar a boca perante um quadro para não soltar uma gargalhada, ou soltar “uma ou outra gotinha” num museu frente à Vénus de Milo. Obviamente o carácter das obras mudou, com os ready-mades introduz-se o inesperado, o estranho, caricato e isso provoca o sorriso. E só não provoca o riso porque continua a ocupar o seu lugar sacro de obra de arte, a ter a sua placa de identificação, um nome a ela associada que vale dinheiro, tudo o que é característico da arte que cumpre, que “pica o ponto”. As coisas mudam na intervenção, no momento em que a arte vai para a rua, em que solicita às pessoas uma reciprocidade, uma resposta para ser arte pois só essa intervenção legitima a arte e fá-la entrar em acção.

Erwin Wurn
One minute Sculpture
1998
Galerie Krinzinger
Chegados a este ponto, já a pintura e a escultura – mesmo as de Malevitch e os torsos de Boccioni – deixaram de ser o mote para esta arte. Passamos assim dos ready-mades de Duchamp já disciplinados, para uma materialização da subversão dos conceitos que estava na base destes movimentos. Estamos perante novo dilema, uma vez que esta arte que procura o público deixa de ser a dos museus que o esperava ou fazia-se esperar. É uma arte dinâmica. De facto, a arte estática não suscita o riso. O sorriso suscita quando é acompanhada de um manual de instruções: “Veja a obra de arte A. Agora veja a obra de arte B. Compare os títulos, a composição, as cores, as datas, etc. Se achar semelhanças entre o que as peças lhe mostram e um qualquer refente da sua vida, está no bom caminho. A sublimação vem com o tempo. Keep on trying.”
Um bom exercício pode ser o Banho Turco de Ingres e o Banho Turco de Juan Luís Moraza; ou seja, o playground dos meninos crescidos e o dos meninos pequeninos. No primeiro vemos um bordel imaginado por Ingres, um neoclássico com traços românticos que retratou um bordel exótico e portanto, povoado por belezas orientais que vivem na preparação de toda a ambiência para receber um homem. Naquele “banho turco”, basta introduzir a moeda para obter o que se deseja. No segundo exemplo, temos o banho turco como um brinde, o sexo e os favores sexuais como um mimo que está igualmente ao alcance de uma moeda. Esta moeda mete-se literalmente na ranhura e é talvez nisto que Moraza joga com Ingres.


Jean-Auguste-Dominique Ingres
Le Bain Turc
1862
Musée du Louvre


Juan Luís Moraza
El Baño Turco
1997


Outra comparação curiosa pode ser feita com os urinóis de Hammons atados a árvores numa floresta, em contraponto com o urinol de Duchamp virado ao contrário. Duchamp desconstrói a ideia de arte ou pelo menos faz-nos reparar no peso que lhe damos, na forma como definimos arte e mostra-nos o quão errado pode ser o caminho – por ser demasiado hermética, essa ideia pode ser facilmente ridicularizada, como tudo aquilo que é demasiado ortodoxo. O artista parecia estar a “urinar-se” para a arte. Com Hammons, vemos não só uma paródia a Duchamp e ao conceito de arte, mas também um convite à integração da arte na natureza e a nossa participação na mesma.


Duchamp Fountain
1917
Philadelphia Museum of Art


David Hammons
Instalation in Temse
1990

1 comentário:

Anónimo disse...

as arvores sao duras e quase eretas.muito sex mijar em arvores