Carta a Homero - a propósito da Odisseia
Ilustre Homero, pai das leituras prolongadas e dos poemas épicos, move-me a escrever-lhe, a perfídia, o opróbrio que mora neste nosso mundo. Ainda que a minha edição da sua “Odisseia” não seja a traduzida por Frederico Lourenço (é evidentemente um livre de poche), notei que o ilustre escritor foi por várias vezes plagiado. Deixe-me então contar-lhe como tudo aconteceu. Quando o império estava dividido entre o Romano do Ocidente e o do Oriente, Constantino, entre lutas políticas e para não ser acusado de perseguição religiosa à vasta turba de fiéis cristãos, decidiu remodelar a história, dar-lhe um rumo que mudaria para sempre as nossas vidas. Toldado pela possibilidade de ir agradar ao seu eleitorado cristão, adoptou as regras dessa religião – que até serviam melhor os seus princípios e objectivos -, Constantino abandonou o paganismo e, como se disse, abraçou o cristianismo. Para tal era necessário um papel, algo que tornasse mais credível e que fundamentasse as opções políticas e religiosas. E assim surgiu a Bíblia. Não me interprete mal: os textos presentes na Bíblia já estavam escritos antes de Constantinio ter optado pelo cristianismo. Só que entre os muitos escritos havia os canónicos (os que foram escolhidos para figurar no grande livro), os apócrifos (cuja existência se conhece, mas não foram escolhidos para a Bíblia. Entre eles encontram-se o de Pedro que diz que teria sido José a entregar o corpo de Cristo a Pilatos, bem como outros que falam da infância de Cristo. Fernando Pessoa escreveu um poema – cujo título desconheço – sobre uma passagem da infância de Cristo) e entre estes, os gnósticos que, por privilegiarem a ligação directa entre Deus e os mortais, por privilegiarem o entendimento desse mesmo Deus, pois ele fazia parte de cada um de nós, também foram preteridos.
Portanto, sendo a Bíblia uma construção consciente dos princípos que devia servir, é natural que tenha ido buscar inspiração a algum lado. Assim, deixe-me dizer-lhe bravo Homero, que na página 21 em que Telémaco diz para a mãe as seguintes palavras:
Portanto, sendo a Bíblia uma construção consciente dos princípos que devia servir, é natural que tenha ido buscar inspiração a algum lado. Assim, deixe-me dizer-lhe bravo Homero, que na página 21 em que Telémaco diz para a mãe as seguintes palavras:
“ Portanto, que a tua alma e o teu coração encontrem força para o escutar. Ulisses não foi o único que perdeu na terra de Tróia o dia do regresso: quantos outros mortais lá pereceram! Vai para o teu quarto, vela pelos trabalhos do teu sexo, tear e roca de fiar, ordena às tuas servas que se entreguem às suas tarefas; a palavra é ocupação dos homens, sobretudo minha; porque sou eu o amo desta casa.”
podemos encontrar semelhanças com estes dois versículos das cartas dos Colossenses.
[Colossenses 3:18] Esposas, sede submissas ao próprio marido, como convém no Senhor.
[Colossenses 3:19] Maridos, amai vossa esposa e não a trateis com amargura.
[Colossenses 3:19] Maridos, amai vossa esposa e não a trateis com amargura.
Tem por base aquilo que o ilustre Homero escreveu sobre Ulisses no país dos Feaces, (Mas olhe que acho este Ulisses muito saído da casca: Nausícaa queria ficar com ele, Calipso ficou com ele, ele ficou com Circe depois de tê-la feito prometer que o libertava; sempre a pensar na esposa, coitadinho. É como diz a música “Estou fazendo amor com outra pessoa, mas meu coração, vai ser pra sempre seu. O que o corpo faz, a alma perdoa”. Está bem, está!):
“E a seguir, depois de se terem banhado e untado de óleo fluído, tomaram a sua refeição perto das margens do rio esperando que o sol secasse os vestidos com os seus raios. Quando as aias e a senhora se fartaram de comer, jogaram à bola, tendo-se liberto dos véus. Era Naausícaa de alvos braços que marcava o compasso do canto e da dança.”
(…)
“…Atena concebeu um outro desígnio para que Ulisses despertasse e visse a virgem de lindos olhos que o conduziria à cidade dos Feaces.”
(…)
“Tendo assim falado, o ilustre Ulisses saiu da moita; na espessa floresta, ele partiu com a sua forte mão um ramo revestido de folhas, para assim cobrir o corpo e esconder o sexo.”
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“…Atena concebeu um outro desígnio para que Ulisses despertasse e visse a virgem de lindos olhos que o conduziria à cidade dos Feaces.”
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“Tendo assim falado, o ilustre Ulisses saiu da moita; na espessa floresta, ele partiu com a sua forte mão um ramo revestido de folhas, para assim cobrir o corpo e esconder o sexo.”
Encontramos na Bíblia a mesma ideia mas desta vez aplicada a Adão e Eva. Vamos então ver:
[Génesis 2:25] Ora, um e outro, o homem e sua mulher, estavam nus e não se envergonhavam.
[Génesis 3:7] Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si.
[Génesis 3:7] Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si.
Por fim, a incredulidade de Tomé perante as chagas de Cristo é igual à que os amigos e companheiros de Ulisses manifestam quando o vêem aproximar-se tal como um velho. Não acreditam que aquele seja o seu companheiro Ulisses e este diz-lhes:
“E agora, vede, vou dar-vos uma prova categórica, graças à qual me reconhecereis e deixareis de ter qualquer dúvida: uma cicatriz do ferimento que outrora um javali me causou com a sua branca presa quando eu andava pelo Parnaso acompanhado pelos filhos de Autólico.”
Eu não quero ser picuinhas, mas isto aparece também quando Jesus ressuscita a aparece aos discípulos.
[João 20:24] Ora, Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus.
[João 20:26] Passados oito dias, estavam outra vez ali reunidos os seus discípulos, e Tomé, com eles. Estando as portas trancadas, veio Jesus, pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco!
[João 20:27] E logo disse a Tomé: Põe aqui o dedo e vê as minhas mãos; chega também a mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente.
[João 20:28] Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e Deus meu!
[João 20:26] Passados oito dias, estavam outra vez ali reunidos os seus discípulos, e Tomé, com eles. Estando as portas trancadas, veio Jesus, pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco!
[João 20:27] E logo disse a Tomé: Põe aqui o dedo e vê as minhas mãos; chega também a mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente.
[João 20:28] Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e Deus meu!
E isto é só uma pequena amostra; de onde este veio há muito mais. Deixo só no ar o episódio em que Ulisses fura o olho ao Ciclope que como a gente sabe, era um gigante.
“Dizendo isto, ele inclinou-se para trás e caiu de barriga para o ar. Estava deitado, com o seu grosso pescoço dobrado, e o sono apossava-se dele, tal um irresistível domador. Da garganta jorravam-lhe vinho e conduto humano; ele arrotava na sua embriaguez. Então meti a estaca debaixo da espessa cinza, até ela estar quente. Encorajei com as minhas palavras todos os meus companheiros, temendo que o medo levasse a esquivar-se um deles. Logo que a estaca de oliveira, se bem que ainda verde, ficou quase a arder, propagando um terrível clarão, eu saquei-a do lume e aproximei-a, e os meus companheiros mantinham-se à minha volta; um deus havia-lhes incutido grande ousadia. Tendo arrancado a estaca de oliveira, eles apoiaram-lhe a ponta sobre o globo do olho; eu, carregando em cima com todo o peso do meu corpo, fazia-a girar sobre si mesma: quando se fura a madeira de um navio com um trado, enrola-se na base do instrumento uma correia, pela qual se puxa de ambos os lados para o mover, e ele rodopia sempre no mesmo sítio; assim, segurando a estaca aguçada ao lume, nós fazíamo-la voltear no olho, e o sangue jorrava em torno da ponta abrasadora, e por toda a parte, em cima das pálpebras e das sobrancelhas, a pupila tostada estrugia, e as raízes encarquilhavam-se sob a chama. Quando um ferreiro molha uma grande acha ou uma machadinha em água fria para a endurecer, o metal assobia fortemente, mas em seguida é grande a resistência do ferro. Assim assobiava o olho do monstro em torno da estaca de oliveira.”
Agora compare isto com a descrição de As Viagens de Gulliver de Jonathan Swift, no episódio em que Gulliver chega ao país dos liliputianos:
"Cansadíssimo, extenuado, deitei-me na relva macia e adormeci. A noite vinha descendo e eu não tinha energia para caminhar mais. Longas horas dormi, sossegadamente. Já o Sol estava alto quando acordei, e a sua claridade intensa quase me ofuscou a vista. Disse de mim para mim: - «Vou-me levantar e procurar de comer, à sombra da primeira árvore que me apareça». Era o melhor que podia fazer ... Simplesmente, ao tentar erguer-me, não o consegui. Estava preso pelos cabelos, que nesse tempo se usavam muito compridos, e o resto do corpo enredado num sem número de cordelinhos delgados, mas fortíssimos, que me tolhiam os movimentos. Pernas e braços, mãos e pés, senti-os fixados ao solo. Retesei os músculos, respirei fundo, quis sacudir aquelas apertadas malhas - e nada! Os cordéis entravam-me na pele e feriam-me. Que aflição! Por não me ser possível fazer outra cousa, voltei a estar quieto. Uma espécie de comichão ou prurido, como que provocado pela marcha de formiga ou de mosca, incomodou-me então. De súbito, surgiu a meus olhos espantados uma criaturinha minúscula, um homenzinho da altura aí duns cinco centímetros - imagine-se! - mas bem proporcionado e todo esperto."
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