domingo, 21 de janeiro de 2007

Zeitgeist sem imagens

Aproveitando o geist e ainda dentro do zeit, fazemos hoje uma pequena recensão d' "A volta ao Mundo em 80 dias" de Júlio Verne, isto a propósito da visita de Cavaco Silva à Índia.
A viagem de Philleas Fogg é uma mistura entre guia turístico e "Odisseia" se bem que o herói do livro é uma espécie de anti-herói. Caem sobre ele, logo na primeira página, as suspeitas de ter amealhado fortuna de forma estranha, provavelmente assaltando um banco, e de o seu rigor e intransigência serem mais fruto de uma personagem calculista do que moralmente irrepreensível. Há também em Fogg uma analogia com fog, o nevoeiro londrino, mas também a impressão que Júlio Verne, que conhecia Alexandre Dumas faz de Fogg um Conde de Monte Cristo: misterioso, de passado obscuro. Ele encarna de uma forma mais premente o viajante obstinado que procura chegar ao seu destino depressa cumprindo todas as etapas, do que o viajante “nómada”, que tenta viver durante a viagem como os autóctones. Philleas Foog (a quem toda a gente chama de Willy Fogg devido aos célebres desenhos animados - Fogg era o leão) leva avante a sua viagem sem fazer o famoso seight-seeing deixando tal tarefa para o criado Passepartout. Aproxima-se portanto a meu ver de Michael Koolhass (Gesammelte Erzählungen), o cavaleiro de Heinrich von Kleist que na sua busca pela justiça, desenha no mapa da Europa rotas peculiares. Também Fogg as traçou, saindo de Londres até Paris de barco, atravessando a França e todo o cano da bota italiano de comboio, cruzando o mar Mediterrâneo até chegar ao Suez que atravessa novamente de barco até Bombaim. Chegado a território indiano e tendo planeado fazer o percurso compreendido entre Bombaim e Calcutá de comboio, dá-se conta que a linha de caminhos-de-ferro estava incompleta, mete-se com os seus companheiros de elefante pelo interior indiano e descobre-se em apuros. Também descobre a princesa indiana a quem nos desenhos animados chamavam de "Princesa Leila" (acho que ela era uma gata. A rival da Julieta em “Os Três Mosqueteiros" era uma raposa. Qual é o problema desta gente com os felinos?).
Quando começamos a ler a parte correspondente à viagem de barco entre Calcutá e Singapura no barco Rangoon deparamo-nos com isto: "The Rangoon was heavily loaded, having taken on board a large number of passengers at Singapore, Hindus, Ceylonese, Chinese, Malays and Portuguese, who were mostly second-class travellers." Esperemos que Cavaco tenha tratado deste assunto.

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