quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

As meretrizes



(Messalina, Madame du barry, Mata-Hari)

Na literatura sempre as houve: na Bíblia foram as Salomés e as Madalenas (Eva também, mas com outra dimensão), na História foram as Messalinas, as Madames du Barry e as Mata-Harri, em Gil Vicente eram as mulheres que traíam os maridos quando estes estavam fora, multiplicavam-se as alcoviteiras bufas. Estas tiveram homólogas alemãs na noite de Walpurgis de Goethe.

Parecia não haver um meio termo para as mulheres na Literatura: elas ou eram virgens e puras, ou então corrompidas e de tal forma que se podia dizer mesmo que a sua condição era irreversível. A mulher uma vez corrompida não tinha direito a redenção a não ser por via da morte – o que para além de injusto era extremamente restritivo. As mulheres corrompidas eram divididas em três escalões: as prostitutas baratas ou pornai (nome grego para “prostituta” e de onde deriva “pornografia”, as peripatéticas (as “acompanhantes”, se a palavra derivar de peripatéticos?) e as de Alto Nível ou Hetaera. Também havia as prostitutas sagradas, que vinham de uma tradição pagã que atribuía a certas entidades femininas ligadas à fertilidade e ao amor carnal poderes divinos. Um dos romances que inaugura, ainda que timidamente a tradição da mulher que luta e assegura a sua satisfação pessoal mesmo no campo sexual, vista como “meretriz” ou “rameira” se quisermos usar o vernáculo, é a Dama das Camélias; uma prostituta da Alta Sociedade que apenas se insinua, não deixando com isto de ser uma prostituta. É a mulher que se vende em busca do Cavaleiro Andante que a levará daquela vida para uma bem melhor. Dumas escreve sobre os desejos da mulher limitando a um papel ridículo de prostituta sonhadora, de mulher que não se assume, talvez devido ao facto de o próprio escritor se afirmar contra a emancipação feminina.

Por seu turno, Madame Bovary, que dá o mote a um filme recente ("Pecados Íntimos" – aliás são vastos os exemplos de prostitutas no cinema, ainda que nestes casos não representem personagens literárias: Anna Karina em “It’s my life” de Jean Luc Godard, Greta Garbo em “Anna Christie” de Clarence Brown, Jane Fonda em “Klute” de Alan J. Pakula e Jodie Foster em “Táxi Driver” de Martin Scorcese. Na pintura as mulheres representam muitas vezes cenas de histeria que Freud deve ter acompanhado, assim como representam o melhor e o pior da dimensão humana: são as virtudes como a Caridade, mas em Dürer encarnam cada um dos Vícios), é a mulher que mesmo não exercendo o ofício secular não desiste de conquistar a sua felicidade mesmo que isso lhe custe a vida. A Madame Bovary portuguesa é Luísa, de “O Primo Basílio”, a pequena burguesinha, com vida posta que encontra no primo vindo do Brasil um escape, alguém que a aprecia; não se trata de um homem que a respeita (para isso ela tem o marido), mas de um homem que a quer. Obviamente nem sempre esta troca é tão directa. Muitas outras personagens traíram os seus maridos que as respeitavam e apreciavam em troca de uma aventura, em troca de satisfazerem a necessidade de se sentirem vivas. É a essas, e às outras também, que chamamos meretrizes. Injustamente. Estupidamente.

Não querendo fazer deste post um manifesto feminista (até porque de feminista e de feminina tenho muito pouco), ouvi há dias a explicação para isto, para o facto de as mulheres traírem muito menos do que os homens. Ao que parece o hipotálamo feminino é mais pequeno que o masculino e por isso tudo lá dentro está mais compartimentado. Lucky them que com um hipotálamo maior, têm mais espaço para ver as coisas mais ou menos como elas são.

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