Bonecas Angolanas
Agora que se aproxima a o início da presidência portuguesa da União Europeia e tendo esta entre os seus sete trabalhos hercúleos (talvez sejam um pouco menos de sete, admito), a organização da Cimeira UE-África e a difícil tarefa de demover Mugabe da sua política repressiva em Harare, era bom lembrar um caso igualmente africano e que diz respeito a Angola. Uma vez que Portugal teve responsabilidades em Angola e devido a um certo paternalismo que até há pouco tempo alegadamente tinha sobre a ex-colónia, não me parece totalmente despropositado falar aqui daquilo que podemos chamar o Angola Connection ou mesmo “bonecas angolanas” em homenagem às bonecas russas, tal é a forma como as diferentes partes se articulam.
A notícia já tinha sido dada aqui, mas vamos então falar do caso. Como deve ser do conhecimento dos leitores, a Bienal de Veneza é este ano dedicada a Angola. A exposição angolana vai ser composta totalmente por peças da Fundação privada Sindika Dokolo, numa mostra intitulada “Check List”, comissariada por Fernando Alvim, artista, curador da colecção em causa e comissário da Bienal de Luanda, que foi constituída por peças da colecção da Fundação... Sindika Dokolo. A escolha de Angola como país convidado levantou protestos principalmente por parte do director artístico da Bienal de 2005. O tema da bienal é “Think with the Senses – Feel with the Mind. Art in the Present Tense”, o que é perfeitamente irrelevante, mas era só para ver se estavam atentos. Ou seja, é irrelevante pois com este tema o país convidado poderia ter sido qualquer outro. Relevante é o facto de a mostra ser constituída por peças de um único coleccionador o que será uma forma de promoção muito em conta, mas questionável quanto à justiça face a outros coleccionadores e artistas que não estão representados na colecção.
As informações acerca de Sindika Dokolo são escassas: vários artigos sobre a Bienal de Luanda, sobre a colecção, a Fundação, mas poucos acerca da pessoa, do que faz, do que fez, do que pretende fazer (Gauguin?) Encontramos este link de um jornal francês também referido no artigo e que explica que Sindika é congolês, filho de Dokolo Sanu, que fundou o Banco de Kinshasa de forma desastrosa. Para Kinshasa, obviamente. Dokolo Sanu era o principal accionista e quando a revolução liderada por Mobutu começou a considerar incómodos os seus sinais de riqueza, Dokolo protegeu-se contra as medidas políticas que podiam minar a sua riqueza, passando os bens para os filhos menores. Entre eles, Sindika Dokolo.
Sindika Dokolo tem ainda outra particularidade: é casado com Isabel dos Santos. Para quem não sabe quem é Isabel dos Santos (eu cá sabia porque o casamento foi de arromba – 600 convidados e três dias de festa, 30 mil euros foi o valor da liga da noiva quando leiloada), trata-se da filha de José Eduardo dos Santos, presidente de Angola. Isabel dos Santos é engenheira, uma senhora da Alta Sociedade (com letra maiúscula para parecer ainda mais alta) que vive, digamos, acima da média com alguns caprichos de prima donna cujo direito lhe é conferido tanto pela filiação, mas também por ser, pasme-se, parceira de negócios em pelo menos 3 das mais ricas empresas angolanas (Futungo, empresa de extracção de petróleo; Banco Internacional de Crédito, banco em que outro dos accionistas é Américo Amorim(25%); Geni, fundada tendo como ponto de partida a Unitel. Isabel foi uma das fundadoras juntamente com membros do governo do seu pai e a Sagripek, entre outras, provavelmente). É também a principal accionista da única empresa que controla, juntamente com o Estado, o comércio de diamantes (link). Quando no início do ano estalou o caso “Operação Furacão”, a Srª. Engenheira Isabel dos santos estava lá, por causa de um apartamento comprado em Lisboa.
Ora, tendo em linha de conta que Angola neste momento tem 80% de desempregados, a esperança média de vida é de 45 anos, três quartos da população vive com menos de um dólar por dia; a cada três minutos morre uma criança por má nutrição, uma em cada três crianças não sobrevive até aos 5 anos de idade, cerca de um terço da população abandonou o local onde vivia desde que começou a guerra em 1998, vai ser difícil para quem sabe, engolir os vol-au-vent na inauguração da Bienal.
1 comentário:
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Gabriele Protti
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