quarta-feira, 30 de maio de 2007

Post para os arautos da arte


Eis um quadro que pode encher as medidas aos mais exigentes e conhecedores. É um quadro com muitos quadros dentro. Estão lá a Vénus de Urbino, a Vénus de Milo, uma Madonna de Leonardo da Vinci, uma Virgem com o Menino de Rafael… O quadro foi uma encomenda da soberana Carlota a Johann Zoffany que nele retratou a cupidez disfarçada de erudição da sociedade da época. Do lado direito do quadro encontramos o senhor Wilbrahams de óculo em riste a observar a escultura da Vénus de Milo. É o típico filantropo devidamente assinalado num rectângulo amarelo. Porém, o interesse deste senhor não parece unicamente a pura promoção da arte, até porque muito perto dele, (dentro de um rectângulo vermelho), de pé e de frente para o observador, como que a espreitar do quadro, está o seu oposto, o misantropo. Trata-se do senhor James Bruce, um Don Juan de serviço, completamente abstraído da overdose artística do espaço e que era o pesadelo dos maridos da época. Do lado esquerdo do quadro está o próprio artista (num rectângulo verde), a ostentar no rosto um sorriso enigmático, enquanto no lado oposto do quadro, de volta ao núcleo frente à estátua da Vénus de Milo um apreciador de arte piedoso (rectângulo laranja) ergue as mãos para o ícone de mármore.

Mas o núcleo principal que sobressai na pintura, apesar do horror vacuis que a sobreposição de obras de arte faz do espaço quase uma kunstkammer, observa no fim de contas, é aquele que rodeia a Vénus de Urbino. Não a observa de forma claustrofóbica, dá-a a ver. Todo o corpo despido da figura fica à mostra, sendo comentada por alguns homens vestidos de negro, para contrastar com a alvura da pele da deusa.

Johann Zoffany
The Tribuna at the Uffizi
1772-1778
Royal Collection, Windsor

Esta parece ser aliás uma obsessão de Zoffany tal como se pode ver no “auto-retrato como um monge”. Na parede atrás do pintor está uma pequena estampa da Vénus, mas desta feita, vestida: uma recriação do próprio artista, uma vez que o original estava na grande reunião acima. Curioso é ver também que a pequena imagem da deusa está acompanhada de um terço e dois preservativos. É isso mesmo, dentro de um rectângulo azul um par de preservativos faz a ligação entre o sexo seguro do século XVIII e a abstinência, isto no caso da Vénus vestida.

Zoffany faz desta forma uma crítica ao mecenas que tão mal o remunerou por este trabalho, bem como à sociedade do século XVIII que peregrinava entre salões artísticos não pelo prazer do conhecimento e da partilha, mas pelo snobismo e pela auto publicidade, uma promoção estéril que visava (e visa ainda hoje), mostrar o seu valor quantitativo e não qualitativo.

Johann Zoffany
Self portrait as a monk
1799

3 comentários:

João Barbosa disse...

muito bom. muito bem. este é daqueles textos para guardar.

saudações

João Barbosa disse...

Tomei a liberdade de me inspirar neste seu texto e de o «linkar» do meu blog (infotocopiável) acompanhado dum pequíssimo pensamento.

saudações

Belogue disse...

não me faça corar via blogosfera. já agora justifico a má qualidade da imagem com a constatação que a Royal Collection desconhece o que são 150 dpi's.