domingo, 3 de junho de 2007


JORGE DE SENA

O chofer de táxi queixava-se da vida.
Ganha 400$00 por semana, o patrão conta
que ele se arranja do a mais com as gorjetas.
Os meus amigos morrem de cancro,
de tédio, de páginas literárias,
vi um rapaz sem as duas mãos que perdeu
na guerra (e o ortopedista ria-se de que ele
só queria por enquanto "calçar" uma das
que, artificiais, lhe preparou tão róseas).
As pessoas esperam com raiva surda e muita paciência
o autocarro, aumento de ordenado, a chegada
do Paracleto, bolsas de sopa do convento.
Mas o chofer de táxi contou-me que
discutira com um asno e lhe dissera:
"... v.que nesse tempo ainda andava a fugir
de colhão para colhão do seu pai
para ver se escapava a ser filho da puta..."
E é isto: andam de colhão para colhão
a ver se escapam - e muitos não escapam.
E os outros não escapam aos que não escapam.
Poesia III
Lisboa 5/8/1971

1 comentário:

AM disse...

genial, tudo o que eu leio deste Homem, é genial