quarta-feira, 26 de setembro de 2007

- "bis" sem "bravo" -


Tentarei não preencher o blog da formiga com imagens de santos e de pintura dos séculos XVI, XVII e XVIII, que apesar de ficarem sempre bem e darem um ar idóneo e filantropo a qualquer blog, não combinam muito bem com o blogger. Mas não posso deixar de assinalar a minha perplexidade (crescente uma vez que estou em leituras que levam a esse estado), perante a multiplicação de imagens de obras de arte. Passo a explicar: “Os Girassóis” de Van Gogh encontram-se na National Gallery em Londres. Porém, outros girassóis do mesmo pintor encontram-se em Munique, na Neue Pinakothek. Ora, não tendo nenhum dos leitores a idade que Van Gogh teria se estivesse vivo (impossíveis só com o Altíssimo), não nos é possível afirmar qual deles é o verdadeiro quadro, conceito este também curioso em si. Assim, para além de não existir “Os Girassóis”, o “verdadeiro quadro”, seja de Van Gogh, ou de Miguel Ângelo, também não existe, uma vez que para nós o verdadeiro é aquele que nos foi mostrado pela primeira vez. Não posso aceitar outros Girassóis que não aqueles, assim como não posso aceitar outras portas do Baptistério de Florença que não aquelas. Para mim as flores que Van Gogh pintou têm aquela tonalidade, figuraram naquele filme, foram referidas naquele outro livro. Para um americano, um asiático ou um africano, a primeira imagem do quadro pode ter sido outra e por isso não reconhecem a National Gallery como local de culto aos amantes d’”Os Girassóis”, mas antes a Neue Pinakothek. Isto envolve a percepção humana e a forma como é condicionada pela vivência e quase os aspectos psicossomáticos da experiência. Não irei enveredar por aí porque não é a minha área. Embora no caso d’”Os Girassóis” esteja a falar de dois quadros que são diferentes mas têm o mesmo título ou representam a mesma ideia, nos exemplos seguintes a situação muda.


O quadro de Chardin figura não só nas paredes do Staatliche Museen em Berlim, como no Museu do Louvre em Paris. As imagens mostram quase um “descubra as diferenças”. Além disso, o modelo usado por Chardin nestas duas pinturas foi também usado na pintura “House of Cards” existente na National Gallery e numa pintura semelhante na colecção Oskar Reinhart collection em Winterthur. Chardin que tal como Vermeer procurava retratar temas do quotidiano, teve grande sucesso com este quadro e por isso pintou a segunda versão que está no Louvre. Uma delas, nunca se soube qual, foi exibida no Salão de Paris de 1940. A questão coloca-se aqui: qual deles estou eu a ver quando vou ao Louvre? O “verdadeiro”? Pode não parecer relevante (e até nem é, não irá curar os males do mundo), mas a obra de arte guarda a sua essência na não reprodução. Era irrepetível até Warhol talvez.


Chardin
The Draughtsman

1737

Staatliche Museen, Berlin


Chardin
Draughtsman

1737

Musée du Louvre, Paris

Outro exemplo é este “Magdalen of Night Light” de Georges de La Tour. Não se conhece, eu não conheço, a razão para uma segunda versão – igual à primeira – de Georges de La Tour, mas adivinho que sendo este tema muito caro para a França, houvesse necessidade de reproduzi-lo. Um no Louvre, outro em Los Angeles. Embora no caso descrito acima a probabilidade de ao visitar o Louvre ficar a saber da existência de uma segunda versão do quadro na Alemanha, ser muito pequena, neste caso de De La Tour é ínfima, uma vez que na América não houve uma Segunda Guerra Mundial que justificasse a passagem destes quadros de um lugar para outro ou a sua reprodução para não se perderem (nem Chardin adivinharia a Segunda Guerra Mundial), não houve exílio de artistas europeus no século XVII, e este não é um tema muito apreciado pelos americanos. O que justifica a sua presença num museu americano é a aquisição do mesmo por parte deste, ou a doação. Não sendo representativa a arte americana desse século no mundo nem no mercado da arte, é natural que a informação ao visitante sobre a Madalena de De La Tour seja escassa. E escrevo-o com conhecimento de causa.E para que não se pense que estes são casos isolados para gerar um post, deixo mais dois: o Apollo Flaying Marsyas de Ribera (1637), presente no Musées Royaux des Beaux-Arts, Brussels e o mesmo, do mesmo autor, com a mesma data e nome, no Museo Nazionale di San Martino, Naples. Ou então Ary Scheffer com dois The Ghosts of Paolo and Francesca Appear to Dante and Virgil, ambos de 1835, um na Wallace Collection em Londres e outro no Louvre em Paris.


Georges de la Tour

Magdalen of Night Light

1630-35

Musée du Louvre, Paris





Georges de la Tour

Magdalen with the Smoking Flame

1640

County Museum of Art, Los Angeles

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