terça-feira, 16 de outubro de 2007

"SERÁ ISTO POSSIVEL"?

"Voltaremos às mesmas lutas estéreis, ao mesmo desinteresse dos problemas nacionais, às mesmas intrigas ambiciosas, e ao cabo de um período mais ou menos longo outra ditadura virá renovar os dias de Pimenta de Castro e de Sidónio Pais, com as correlativas e perturbantes reacções, mas então já uma ditadura que sucederá com a experiência do passado àquelas que a falta de experiência tornou inviáveis. Uma ditadura, que manterá apenas o simulacro de República, ou que será uma transicção para a Monarquia. E essa será a maior responsabilidade dos partidos, que, a despeito de todas as experiências e de largas provações, são incorrigíveis nos seus processos e na aceitação das mais compremetedoras solidariedades.

O que vai V. concluir do conhecimento perfeito de tudo o que sucedeu desde a revolta de Monsanto e da proclamação da Monarquia no Norte até à queda do Governo? Receio que tenha a impressão da inviabilidade de qualquer nova tentativa semelhante àquela que acaba de ter desfecho na mais inglória situação, que se poderia criar a quem só manifestou o mais sincero e desinteressado desejo de servir o seu país.

Será ainda possível tentar uma nova e decisiva experiência, aquela que eu deveria ter realizado, reunir um grupo de homens libertos de todos os compromissos, apoiando-se numa grande corrente de opinião nacional? Seria uma junção de valores morais, governando com a opinião pública, sem necessidade de governar contra os partidos, mas encaminhando a acção governativa para realizações de fácil compreensão e de manifesta utilidade para o país.

Assim, posta de parte qualquer pressão sobre os partidos, essa acção colectiva, com uma força exclusivamente civilista, forçaria a reconstituição dos agrupamentos políticos sobre bases que garantiriam o acordo desses organismos partidários com as mais legítimas aaspirações da Nação.

Será isto possível?

É preciso não descrer dos homens até ao ponto de os julgar inacessíveis, pela inteligência e pela moral, a deveres imperativos de consciência".
in: josé relvas - memórias políticas (2º volume) - editora terra livre (1978)

O texto acima publicado, faz parte da carta datada de 5 de Abril de 1919 e incluida num conjunto escrito por José Relvas, entre Janeiro a Abril daquele ano, ao qual o autor deu o título "Jornal de Bordo - Cartas a um amigo, alguns dias depois de ter sido chamado a organizar o Ministério de 26 de Janeiro de 1919".

Passados cerca de 90 anos, as questões colocados por José Relvas permanecem actuais.

Como em 1919, os partidos políticos permanecem "incorrigiveis nos seus processos", tal como José Relvas denunciava.

E, tal como era proposto por José Relvas em 1919, os movimentos de cidadãos são fundamentais para ajudar a modificar a vida interna dos partidos, tendo sempre bem presente que não se trata de "governar contra os partidos" mas sim de, através da prática do direito da cidadania, os obrigar a alterar os seus comportamentos.

"Será isto possivel", como se interrogava José Relvas?

Em 2009 saberemos.

Sem comentários: