quinta-feira, 6 de abril de 2006

CRÓNICA DE UMA VISITA, NUM DIA DE CHUVA,
AO MUSEU DO AZULEJO,
EM LISBOA.

III - ARTE POVERA NO MUSEU NACIONAL DO AZULEJO

Recomposto da estória da gabardine, lá subi até ao segundo piso, para a tal sala que no roteiro do museu, amávelmente oferecido na bilheteira, é referenciada como "século XIX. Azulejaria neoclássica", mas que o director do museu, no seu furor de exposições temporárias, transformou em sala de apoio às ditas, interrompendo o "discurso" museográfico (mas isso são outras estórias).

Contudo, já precavido pela atenção demonstrada anteriormente pelo tal grupo de turistas franceses às particularidades do museu do azulejo, fiquei intrigado pela expressão e direcção de olhar de uma turista, esta de nacionalidade desconhecida (não falei com ela...), tal como se pode constatar por esta foto.Discretamente segui a direcção do olhar da "nossa" turista, e nem queria acreditar: uma bela instalação de arte povera em pleno museu do azulejo.

Se Germano Celant, o "pai" do termo arte povera tivesse a possibilidade de ver aquela obra, (que a "nossa" turista e eu estávamos a admirar), não deixaria de incluir o nome do seu autor ao lado dos Merz, Fabro, Kounellis & Companhia.

Infelizmente a obra não estava assinada.
Eu sei que a fotografia não deixa admirar em todo a sua beleza esta obra de arte povera.
Mas deixa antever o estado em que está esta secção do tecto do claustro, fruto de muitas águas que ao longo do tempo por ali passaram.
Para os ansiosos que aguardam uma visão mais nitida da peça, aqui fica um pormenor mais claro, onde podemos admirar o génio criativo do autor injustamente anónimo.Uma garrafa de água, em plástico, daquelas de 1,5 litros, aberta e colocada artisticamente no tecto do claustro, de forma a aproveitar as águas que por ali se introduzem e assim provocar uma pequena queda de água, acrescentando à peça em apreço um requintado mormurar da água a cair em não menos magnificos contetores de plástico, estratégicamente colocados por debaixo, de forma a acolherem e ampliarem o som da água a cair das alturas desde o tecto.

Genial !

Não resisto a partilhar convosco o deleite que provoca o contemplar uma peça de arte bem imaginada e melhor concretizada. Reparem nos detalhes.Do alto flui a água, em cascata, que ao cair nestes belos contentores "inunda" os claustros de uma suave melodia, bem nossa conhecida, da água a cair nas habitações mal construidas.

Qual Dead Combo qual carapuça. Esta é que é bem a nossa "alma", a nossa música, a nossa tradição.

E o requinte da unidade transmitida pelas etiquetas nos contentores de plástico ?

E o diálogo tão subtil das linhas horizontais do contentor azul com as linhas verticais do contentor vermelho ?

E a unidade cromática do contentor azul junto ao painel, também ele azul, e do contentor vermelho delicadamente pousado no chão de tijoleira, também ele avermelhado ?

Para finalizar, uma fotografia de conjunto, para vosso deleite e nosso contentamento.Mas antes de terminar este texto sobre arte povera no Museu Nacional do Azulejo, não quero deixar de chamar a vossa atenção para os magníficos efeitos causados pela água da chuva na coluna que está no lado direito desta foto.

A isto se pode chamar aproveitar os elementos naturais, neste caso a água, para acrescentar mais arte à arte, e desta vez num contesto hoje tão em moda, o contesto das instalações efémeras.

É que para bem do nosso património, e em particular do património à guarda do Museu Nacional do Azulejo, não chove todos os dias em Lisboa.

Nota de rodapé: amanhã esta crónica abandona este tom ligeiro, para denunciar, a sério, o atentado que está a ser cometido no Museu Nacional do Azulejo relativamente a bens culturais da máxima importância para todos nós, e que por desleixo do director do Museu Nacional do Azulejo estão em sérios riscos de destruição.


Sem comentários: