AFINAL "QUEM MANDA NO JORNALISMO", OU,
O DEBATE DE ONTEM NO "PRÓS E CONTRAS"
Desde ontem à noite, e desde que acabou o debate sobre o jornalismo em Portugal, já muito se escreveu e disse relativamente a quem tinha ganho ou perdido, a quem "esteve mais ou menos nervoso", enfim, um pouco como "cada côr seu paladar".
Aqui na Formiga Bargante, nada nos interessa fulanizar esta questão, o que pretendemos, dentro do limite das nossas possibilidades, é contribuir para o debate de "quem manda no jornalismo".
E existem muitas maneiras de mandar: do director de qualquer orgão de comunicação que ao escolher a sua equipe já exerce o poder de escolher a linha editorial que pretende seguir, o editor que determina, no dia a dia, o que merece mais ou menos destaque ou nem sequer merece aparecer, ao coordenador da "agenda" que "escolhe" quais os temas a tratar nesses dias pelos vários elementos da redacção, e mesmo o jornalista na forma como relata aquilo sobre o que escreve.
Esta é uma primeira cadeia de poder (incompleta, certamente, mas este texto é só mais uma tentativa para se tentar entender o que está em discussão).
Depois, estabelecida esta ou outra "cadeia de poder" dentro de qualquer orgão de comunicação social, o problema que coloca de seguida é a forma como todos estes elementos se articulam com o mundo exterior à redação.
É que em função da posição relativa que ocupam nesta ou noutra "cadeia de poder", assim os jornalistas são mais ou menos "pressionados/seduzidos" pelos vários interesses exteriores, desde agências de comunicação a gabinetes de imprensa do aparelho de estado, ou de jornalistas a soldo de vários interesses, públicos, privados, empresariais, corporativos ou individuais.
E no debate de ontem, algumas destas coisas foram afloradas, mas no "lufa lufa" de encontrar vencedores e vencidos (afinal todos os intervenientes concordaram em que tinham aceite o convite como se tratasse de "uma luta numa arena"...) algumas delas ficaram esquecidas.
Vamos tentar recuperar algumas, que essas sim, se nos afiguram importantes para um debate que ainda nem sequer começou.
DO PODER DO DIRECTOR DA SICNOTÍCIAS, RICARDO COSTA
No livro de Carrilho, Ricardo Costa é acusado de, no debate que se efectuou entre Carmona e Carrilho, ele, Ricardo Costa, como responsável pela SICNotícias ter dado destaque único à famosa cena do aperto de mão, tendo ignorado duas coisas fundamentais:
a) - Carmona Rodrigues utilizou um argumento que sabia falso, o das psedo obras na casa de banho de Carrilho na Ajuda, enquanto ministro da cultura. Carmona Rodrigues sabia que o que estava a dizer era mentira, mas mesmo assim não se impediu de utilizar este argumento.
E Ricardo Costa, na montagem que faz das cenas do aperto de mão, "esquece-se" de mencionar o que está na origem da recusa do aperto de mão.
b) - Carrilho acusa Ricardo Costa de têr reduzido o debate entre ele e Carmona Rodrigues ao aperto de mão, ignorando tudo o que se tinha passado durante o debate, e que afinal era a razão de sêr do mesmo, ou seja, o programna dos dois candidatos à Câmara de Lisboa.
Isto é, claramente, o poder do director de uma estação, em apresentar aos seus espectadores uma interpretação da realidade, e neste caso, e analisando friamente a situação, esta foi uma interpretação distorcida, parcial e muito longe do código de ética dos jornalistas.
Mas ontem, Ricardo Costa num debate que até nem lhe estava a correr nada mal, face às expectativas criadas, comportou-se como o sapo da fábula, que ao atravessar o ribeiro morre afogado porque não resiste a picar a rã que o transportava de uma margem para a outra, ou seja, "está-lhe na massa do sangue".
Já mesmo no final do programa, Ricardo Costa não resiste (tal como o escorpião) a mostrar o "número de circo" que trazia montado para demonstrar o "máu carácter" de Carrilho.
E, com a concordância da moderadora, saca de um papel para lêr o que Carrilho tinha escrito sobre Morais Sarmento e a "confissão" deste quando entrevistado por Maria João Avilez, de que era um ex-tóxicodependente.
Carrilho intervêm para lhe chamar a atenção de que o seu texto tinha surgido em consequência de um texto anterior de Morais Sarmento, e que estar a reproduzir o seu texto sem o enquadrar no texto de Morais Sarmento era uma manipulação grave, e convidava Ricardo Costa a começar por lêr o texto de Morais Sarmento e em seguida o texto por ele assinado, ou seja, Carrilho.
E aqui assistimos a algo impensável por parte de um jornalista com a responsabilidade de Ricardo Costa: declara que não tem o texto de Morais Sarmento, mas que mesmo assim não desiste de lêr o texto de Carrilho.
E aqui é que reside o grave da questão: Ricardo Costa já tinha feito o mesmo na reportagem sobre o aperto de mão, escondendo o comportamento de Carmona Rodrigues, ou seja, e para ficar muito claro, Ricardo Costa MANIPULA os factos à medida das suas conveniências.
DO PODER DOS COORDENADORES DAS AGENDAS DOS ORGÃO DE COMUNICAÇÃO
Uma das críticas de Carrilho à forma como decorreu a campanha para as autárquicas de Lisboa, é que durante uma visita do presidente da "Municipalitat" de Barcelona a Lisboa, em acção de solidariedade com Carrilho, nenhuma televisão noticiou este acontecimento.
Logo, foi um não-acontecimento.
E este é um dos poderes dos coordenadores das agendas, o de determinarem o que é importante e o que não é. Aplica-se a este caso como a tantos outros.
DO PODER DOS JORNALISTAS
Emidio Rangel, no seu estilo muito combativo, afirmou, perante todos nós, os que resistimos para a segunda parte do programa, que a PT-TELECOMUNICAÇÕES DE PORTUGAL, tinha na sua lista de salários dezenas de jornalistas, dos quais não se conhecia qualquer vínculo ou trabalho para aquela empresa.
Assim, preto no branco, sem desvios ou zonas de cinzento.
DEZENAS DE JORNALISTAS PAGOS PELA PT PARA FAZER NÃO SE SABIA MUITO BEM O QUÊ.
Se estes jornalistas são efectivamente pagos pela PT (e esperamos que a empresa clarifique esta afirmação negando-a, ou, no caso de a confirmar, que publicite o nome dos jornalistas envolvidos), eles são pagos porque a empresa lhes reconhece um poder, o poder de escrever ou falar bem ou mal, mas, a partir do momento que aceitam sêr pagos por esta ou qualquer outra empresa, ficam naturalmente condicionados na sua actividade.
Para acabar, o que está em discussão (ou deveria estar) não é personagem Carrilho, Carmona ou Ricardo Costa.
O que está em discussão (ou deveria estar) é que em Portugal a comunicação social exerce a sua actividade sem um cuidado e actuante controlo democrático, que impeça situações de abuso e aproveitamento ilicito das funções desempenhadas pelos jornalistas.
E não é com editoriais infelizes como o de José Manuel Fernandes de hoje no Público, quando, qual "casta diva" escreve: "Oitavo: numa sociedade pluralista, com uma imprensa plural, esta pode cometer muitos erros, exorbitar e ser arrogante e isso até pode ser prejudicial ao funcionamento da democracia. Contudo, não é a imprensa que decide o voto dos cidadãos".
Como está largamente demonstrado por inúmeros estudos efectuados sobre o assunto, a comunicação social, com comportamentos como os denunciados por Carrilho, e que curiosamente vários jornalistas referem que desde há muito tempo estes comportamentos eram comentados em conversas informais de bares ou outras (veja-se, a título de exemplo, o artigo de José Vitor Malheiros no público também de hoje) a comunicação social condiciona e em larga medida decide do voto dos cidadãos.
E isto é que tem que estar em discussão.
terça-feira, 23 de maio de 2006
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1 comentário:
Claro que o que está em causa não é a personalidade de A ou de B. Mas alguém que na TV usa conversas privadas e de trabalho, sem a menor contenção, oferece-me pouca confiança como director de uma estação de notícias.
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