segunda-feira, 18 de setembro de 2006

O PLANO DA BAIXA/CHIADO, O SEXO DOS ANJOS OU DA INEVITABILIDADE DE UM NOVO TERRAMOTO EM LISBOA

Na passada sexta-feira, Raquel Henriques da Silva foi entrevistada no programa Câmara Clara, da RTP2, sobre, entre outros temas, o plano da Baixa-Chiado.

Quer a entrevistadora, Paula Moura Pinheiro, quer a entrevistada, abordaram o tema da segurança na Baixa-Chiado da mesma forma como poderiam discutir o sexo dos anjos, ou seja, sobre o assunto disseram nada.

O melhor que Raquel Henriques da Silva conseguiu articular foi um "espero que não se verifique um novo terramoto em Lisboa".

Só que, para mal de todos nós, presentes e futuros habitantes de Lisboa (mas não só...) os votos piedosos de Raquel Henriques da Silva são uma coisa, e a realidade outra.

Lisboa está condenada a sofrer um novo grande terramoto, só não se sabe quando.

E não se pense que o assunto não está devidamente estudado.
Hoje é segura a ocorrência do tal "big one", só que, tal como o outro que sabia que iria ser primeiro-ministro só não sabia quando, também hoje em dia é certo que tal terramoto ocorrerá, só não se sabe quando.

Mas neste, como noutros temas, nada melhor que dar a palavra aos técnicos.

Mário Lopes, professor do departamento de engenharia civil do Instituto Superior Técnico e secretário da Direcção da Sociedade Portuguêsa de Engenharia Sísmica, em artigo publicado sob o nome SISMOS EM PORTUGAL:CONSEQUÊNCIAS E SOLUÇÕES (em PDF disponivel na net) afirma o seguinte:

XXPortugal continental é uma zona sísmica, devemos recear a ocorrência de sismos fortes no futuro?
MLSim. Os sismos são fenómenos geológicos com origem em roturas originadas em falhas existentes na camada exterior da Terra, a crosta terrestre. Os mecanismos de geração mostram que falhas que já tenham originado sismos no passado provavelmente voltarão a fazê-lo no futuro, o que é confirmado pela História. Assim zonas que já tenham sido atingidas por sismos fortes no passado voltarão certamente a ser atingidas no futuro. E há registos pelo menos com 2 mil anos de que o território de Portugal continental foi assolado periodicamente por sismos, não tendo portanto ocorrido apenas o de 1755. As falhas que os podem gerar existem em todo o nosso território ou próximo dele, como é o caso da falha que separa a Europa de África, que passa ao sul do Algarve e onde teve origem o sismo de 1755.

XXQuer isso dizer que a repetição de novas tragédias como a de 1755 são inevitáveis?
ML - ...Com o desenvolvimento que a engenharia sismica tem hoje podemos construir edifícios novos com capacidade para resistir a sismos fortissímos, ou seja edifícios pouco vulneráveis, reforçar os existentes para melhorar a sua resistência sísmica e evitar locais impróprios para edificar. Por isso novas tragédias como a de 1755 podem ser evitadas. O conhecimento técnico actual torna isso possível.

XX Então não se pode fazer nada, não há estudos sobre os sismos que nos poderão atingir no futuro ?
ML - ...Em relacção a sismos concretos há sismologistas portugueses como o Presidente da SPES, o Professor Carlos Sousa Oliveira, um dos mais prestigiados cientistas portugueses nesta área e cuja competência é internacionalmente reconhecida, que pensam que a probabilidade de a região de Lisboa e Vale do Tejo ser atingida nas próximas décadas por um sismo com potencial destruidor significativo é grande. Mas isto é apenas um receio que se fundamenta essencialmente na sismicidade histórica, dado que o sismo de 1755 já foi há bastante tempo e esta região raramente está mais de dois ou três séculos sem ser atingida por sismos violentos. Não é uma previsão. Creio que ninguêm garante que isso vai acontecer mas também ninguêm garante que não vai.

ML - ...Gostaria de acrescentar que os organismos ligados á Protecção Civil tambêm têm a percepção da potencial gravidade do problema sísmico. Por exemplo, o Expresso de 20 de Maio de 2000 noticiava que um simulador sísmico desenvolvido para os Bombeiros de Lisboa previa que a ocorrência de um sismo semelhante ao de 1755 durante o dia provocaria 38.000 mortos, só na cidade de Lisboa. O vereador do Pelouro da Segurança da Câmara Municipal de Lisboa (CML) nessa altura, Vasco Franco, considerou a previsão pessimista e revelou que o Serviço Municipal de Protecção Civil admitia, com base em estudos próprios, cenários com cerca de dez vezes menos vítimas. Mesmo assim seriam cerca de 4.000 mortos só na cidade de Lisboa, o que a nível nacional poderia corresponder a mais de 10.000 mortos.

Este é um panorama geral sobre as possiveis consequências do futuro terramoto que se abaterá sobre Lisboa.

De um lado os políticos que entendem que falar destes temas não atrai votos, e o melhor é ignorar e esperar que o tal Big One aconteça no próximo século.
Se acontecer antes, e se não ficarem debaixo dos escombros, lá virão invocar "a força da natureza".

Por outro lado os técnicos, que estudam e alertam para a questão, mas como os mass-média também pensam que o tema não atrai leitores/ouvintes/espectadores, ficam cada vez mais reduzidos aos seus guetos e congressos, sem qualquer influência nas opiniões pública ou política.

E, entretanto, entre 4.000 (estimativa política) e 40.000 (estimativa técnica) habitantes de Lisboa estão condenados a morrer quando chegar o Big One.

E, pelo meio, surge mais uma comissão de dinamização para a Baixa/Chiado, que entre um passeio pedonal de um quilómetro junto ao Tejo, ou "algo ligado ao design no quartel do Carmo dada a sua próximidade ao Bairro Alto e ao futuro Museu do Design" nos brindará no próximo dia 22 com mais uma "pérola de cultura" citadina.

Mas julgam que isto é tudo?

Então esperem por amanhã, aqui, na Formiga Bargante.

TEXTOS ANTERIORES SOBRE ESTE TEMA
14.9.2006


2 comentários:

AM disse...

Não tinha presente o(s) número(s) das vítimas. É assustador... quase tão assustadora quanto a displicência com que se olha (e não se vê), e com que se fala (e não se pensa) este território, de que a baixa-chiado é “apenas” o "coração"
(Esta postas são uma das melhores coisas que se estão a passar na blogosfera e não podem ficar sem "eco".)

Anónimo disse...

A propósito, se bem se lembram, o professor Ivo Alves da Universidade de Coimbra previu o ano passado que haveria um sismo em Lisboa com intensidade entre IV e VI, o mais tardar até Setembro de 2006. Alguém o sentiu?