quarta-feira, 14 de março de 2007

HÁ HERANÇAS QUE NÃO SE RENEGAM

Cosmopolitismo ou provincianismo?
Com a direcção artística de Paolo Pinamonti, o São Carlos viveu nos últimos anos um dos seus períodos mais dinâmicos e diversificados na programação, contando com apostas de qualidade ao nível da encenação e do canto, um feito ainda mais meritório se pensarmos que o orçamento era muito inferior ao da generalidade dos teatros europeus. Pinamonti mostrou inteligência na selecção dos elencos, soube combinar o repertório tradicional com obras esquecidas, a música do século XX, a música barroca e o repertório português. Com uma série de importantes co-produções internacionais conseguiu reabilitar o prestígio do teatro a nível europeu.
O seu pensamento sempre foi cosmopolita, mas não esqueceu os cantores portugueses, integrando-os nos elencos e programando obras em que pudessem ter uma participação dominante. Abriu o teatro ao exterior através de colaborações com outras instituições ou da dinamização do seu espaço com concertos comentados, conferências, da loja e da cafetaria. Colaborou com a Culturgest ou o São Luiz na produção de óperas para crianças.
O que mais se poderia pedir a Pinamonti? Um Estúdio de Ópera como a tutela agora anuncia depois de não ter feito nada para a continuidade do Estúdio de Ópera da Casa da Música? Mas com que dinheiro se ele já é tão pouco para manter uma temporada decente de nível europeu? A tutela devia estar agradecida pelo director artístico cessante ter conseguido o que conseguiu mas em vez disso preferiu ignorar o que se construiu nos últimos anos para propor uma filosofia própria e dirigista, que levanta mais dúvidas do que certezas.
Vieira de Carvalho falou na necessidade de "um salto qualitativo" e da criação de "novos públicos". Mas não foi em direcção a um salto qualitativo e à abertura do teatro ao exterior (no plano nacional e internacional) que Pinamonti sempre trabalhou? Pretende-se também que o teatro seja "um ponto de atracção turística" e tenha uma taxa de ocupação mais alta. Mas que turistas se pretendem atrair e com quê? Com os cantores do futuro Estúdio de Ópera ainda desconhecidos? Será que depois de anos de penúria haverá agora dinheiro para fazer espectáculos diariamente, para dar oportunidades aos cantores portugueses e para manter ao mesmo tempo a dimensão cosmopolita que o teatro conseguiu? Ou será que vamos ficar mais uma vez reduzidos à nossa pequenez e ao nosso provincianismo?
in:cristina fernandes - jornal público de 14.3.2007

Nota do formigueiro: Isabel Pires de Lima e Vieira de Carvalho, dois ex-comunistas, não renegam as origens.
Centralismo e expurgo de opiniões contrárias, este é o mote da dupla.
Até quando, José Socrates?

1 comentário:

João Barbosa disse...

assim se vê a força do PêCê...
já se fazia uma remodelaçãozinha, já se fazia, sim senhor!... e não era só na Cultura.