quarta-feira, 16 de maio de 2007

vai tu!

Uma leitura recente ligada ao Impressionismo (movimento artístico de ruptura, para mim que os considero a todos de ruptura) levou-me a escrever este post. Encimado pelo título/recado “vai tu”, quase a fugir para a ofensa se o antecedermos do verbo adivinhado e que contém o vernáculo (irreproduzível), serve de resposta ao crítico de arte Louis Leroy que classificou (pensou ele que com sentido pejorativo), a pintura de um novo grupo de artistas.
Proust na literatura (denso), e Debussy na música (não, não é música de elevador), já deviam ter antecedido a tendência pictórica se não o fizeram o próprio air du temps, aliado à joie de vivre de uma Europa repleta de conflitos internos (A Polónia. combatia a Alemanha em Poznan, os ingleses defrontavam os irlandeses em Dublin, Milão contra a Áustria. A França estava calma, mas em 1848, um novo conflito eclodiu, o que fez fervilhar a Europa) e que fazia orelhas de mercador mergulhada naquilo a que tão convenientemente se apelidou de Belle Epoque, fizeram-no. Pela Europa, por eles, mas não pela arte. É que este é talvez o primeiro movimento artístico (e já não era sem tempo uma vez que nos encontrávamos às portas do século XX e o Modernismo pedia a diferença) em que a individualidade do artista é mais premente que a temática ou o respeito pelas exigências da encomenda. André Malraux refere-se a um retrato realizado por Manet como tendo mais do artista do que do retratado.
O Impressionismo quebra o ciclo de tese – antítese – síntese, bem como a ideia de inspiração demiúrgica do artista, e mesmo no que concerne ao leitmotif da pintura. Sucedendo ao Realismo, o Impressionismo deveria, segundo a ordem “natural” até aí vigente, caracterizar-se por ser um movimento mais plástico, mais orgânico e emotivo. No entanto, não sendo interventivo socialmente, não se acomoda. Não cultiva a ideia romântica do sofrimento do artista como potenciador do génio. Courbert, o realista, foi preso por ter destruído a Coluna Vendôme durante a Comuna de Paris, Miguel Ângelo morreu na miséria, Caravaggio desapareceu numa praia, mas os impressionistas tiveram vidas plácidas. À excepção de Van Gogh que se suicidou com um tiro dois meses após ter deixado o internamento de um ano num manicómio e numa das alturas mais profícuas da sua vida (em termos de volume de trabalho), todos os outros impressionistas tinham vidas normais ou que contrariavam esta tendência. Degas vinha da classe média-alta, Manet de uma família bem relacionada, Toulouse Lautrec tinha sangue real e Cézanne de uma família próspera. Por outro lado, Gauguin abandonou a família para pintar no Taiti e Monet tentou suicidar-se devido a dificuldades financeiras. O Impressionismo destaca-se também pela liberdade que o artista alcança, e a aleatoriedade conferida pela percepção humana, com que concebe. Os impressionistas pintam não o que lhes mandam, por obrigatoriedade da encomenda, mas o que vêem e com as técnicas mais avançadas (há altura), para as verem. Estudam os contrastes de luz e sombra, percebem o efeito visual da separação das pinceladas, compartimentam a cor recorrendo os contornos negros, pintam a vida moderna em flashes fotográficos inspirados primeiro por Niépce e depois por Nadar. Não procuram chocar, mas fazem-no várias vezes. Não pela exposição da verdade na temática, mas porque não se curvaram no seu fazer perante as primeiras recusas para mostrarem em exposições creditadas a sua obra, e porque mostraram ao público a verdade técnica que está na base de uma obra de arte.

Nota: Ao contrário de Courbert os impressionistas conseguiram evitar a mobilização para a Guerra Franco-Prussiana. Anos mais tarde os cubistas agiram como Courbert e partem para a guerra. Braque e Derain foram mobilizados, Picasso esquivou-se e Apollinaire portou-se como um herói. Nada o obrigava a alistar-se por ser estrangeiro (a mãe era polaca e o pai italiano). Morreu no dia do armistício.
(isto sem imagens é mais aborrecido, bem sei)

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