PARA PERCEBER OS "JOGOS" NA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA
As práticas menos claras que a Câmara Municipal de Lisboa tem protagonizado, no que ao Urbanismo diz respeito, não nasceram com a vereação agora demitida.
É uma história longa, anterior ao 25 de Abril, e na qual os partidos que entretanto governaram a CML têm a sua dose de responsabilidade, com particular evidência para o PS e o PSD.
Em 2004 José António Cerejo publicou no jornal Público uma investigação que, por estas bandas, se considera uma peça antológica sobre as práticas das várias vereações relativas a uma empresa de construção, a Bernardino Gomes.
Por se tratar de um texto indispensável para quem se interessa por estas "ninharias", passamos a fazer a sua transcrição integral (embora um pouco longa), deixando, no final, uma pequena nota de actualização ao texto de José António Cerejo.
O Milagre da Multiplicação dos Direitos de Construção
Por JOSÉ ANTÓNIO CEREJO
Sábado, 06 de Março de 2004
Faz agora 33 anos. Dois pequenos empreiteiros compraram um lote com 2.065 m2 na íngreme encosta da Graça, em Lisboa, mesmo por baixo da igreja da freguesia e do miradouro fronteiro. Nessa altura, a câmara admitia a possibilidade de ali autorizar a construção de um total de 2.494 m2 de habitação.
Com base neste pressuposto, e porque o executivo entendeu que a encosta devia ser preservada, a câmara e os proprietários iniciaram em 1975 um longo processo de negociações. E nas décadas seguintes, um desses proprietários - João Bernardino Gomes, que entretanto se tornou um dos maiores empresários do país nos ramos imobiliário e hoteleiro e teve o ex-ministro Vera Jardim como sócio em várias empresas - conseguiu obter das sucessivas maiorias camarárias os terrenos e as licenças com que viria a construir dez vezes a área a que tinha inicialmente direito.
Tudo sem pagar quaisquer taxas urbanísticas e entregando à câmara pouco mais de 3.600 contos como compensação dos 11.383 m2 de habitação e serviços e dos cerca de 10.000 m2 de estacionamento que construiu a mais. E isto quando, de acordo com as regras então em vigor, essas compensações deveriam ter ascendido, aos preços dos anos 70 e 80, a muitas dezenas de milhar de contos.
Quando Bernardino Gomes e o sócio adquiriram a estreita faixa de 2.065 m2 que sobe a pique da Rua dos Lagares até ao Largo da Graça, em Março de 1971, a capacidade construtiva deste lote ficava-se pelos 2.494 m2, a distribuir por dois edifícios novos - um previsto para a base da encosta, no lugar de um palacete em ruínas que ali existia, e o outro para o topo.
Na sequência de várias tentativas dos proprietários para aumentarem esta edificabilidade, a câmara indeferiu em 1973, para não desfigurar a colina, mais um projecto que apontava para a construção de 4.875 m2 acima do solo, quase o dobro do que estava autorizado, e de 1.970 m2 em estacionamento subterrâneo, num total de 6.845 m2.
Já em 1975, Bernardino Gomes começou a pressionar a autarquia com a alegação de que estava em risco de falir por não poder construir na Graça. Sensibilizado, apesar de se estar em plena euforia revolucionária, o presidente da Comissão Administrativa do município chegou a despachar no sentido de que se devia passar imediatamente a licença de obras "para não se incorrer no crime de levar à falência um empreiteiro".
Nessa ocasião, um dos responsáveis pelos serviços de Urbanismo travou o autarca e defendeu que este caso era "um dos tais em que nunca se deveria ter encarado a construção". E, para resolver o problema, sugeriu a realização de uma permuta de terrenos entre a câmara e os proprietários, por forma a "tentar salvar o que era possível" da encosta da Graça.
Mãos largas no Restelo para poupar a Graça
Logo no ano seguinte, a Comissão Administrativa aprovou a troca dos 2.065 m2 desta parcela por dois lotes municipais situados ao cimo da Rua dos Jerónimos, com um total de 1.623 m2. De acordo com um estudo de loteamento já aprovado pelo Governo, poderiam ser aí construídos 5.624 m2 de habitação, comércio e escritórios, bem como 1.728 m2 de estacionamento subterrâneo, o que totalizava 7.352 m2.
Partindo do princípio de que os dois empreiteiros tinham um direito de construção de 6.845 m2 na Graça - o que não era verdade visto o projecto que os previa ter sido indeferido em 1973 -, os serviços camarários fizeram as suas contas (ver caixa) e concluíram, depois de descontar as indemnizações que entenderam serem-lhes devidas, que o município tinha a receber 365
contos.
Formalizada em escritura pública de 1978, com Aquilino Ribeiro Machado como presidente da câmara, e numa altura em que do palacete da Graça só restavam algumas paredes, ficou estabelecido que, em caso de lhes vir a ser autorizada uma área de construção superior aos referidos 7.352 m2, os empreiteiros teriam de compensar o município de acordo com o critério que então vigorasse.
Chegados aqui, os proprietários, mediante o pagamento de 365 contos, já tinham assegurado um acréscimo de direitos de construção acima do solo equivalente à diferença entre 2.494 m2 e 5.624 m2, ou seja, 2.130 m2. Quatro anos depois, no final de 1982, Bernardino Gomes requereu autorização para construir nos lotes da Rua dos Jerónimos e logo a seguir comprou ao sócio a
parte que lhe coubera na permuta com a câmara. Os projectos então apresentados previam dois imóveis de 11 e 13 pisos com um total de 11.481 m2 acima do solo, mais que duplicando os 5.624 m2 estabelecidos com a troca dos terrenos.
Consultado o Instituto Português do Património Cultural (IPPC) - organismo que antecedeu o actual Ippar (Instituto Português do Património Arquitectónico) -, este considerou a proposta "inaceitável" por excesso de volumetria e informou a câmara em Junho de 1984. Apesar disso, o presidente da câmara, Kruz Abecasis, deferiu os projectos, argumentando que a resposta do IPPC tinha chegado fora do prazo legal. E no ano seguinte, aplicando as condições da permuta, os serviços camarários fixaram em 63.260 contos o valor da compensação a pagar pelo empreiteiro em função do aumento da área de construção de 5.624 para 11.481 m2.
Inconformado, Bernardino Gomes contestou o cálculo e conseguiu a redução daquele montante para 47.180 contos. Posteriormente, obteve o acordo de Abecasis para pagar a maior parte deste valor com infra-estruturas avaliadas em 39.982 contos - que nunca chegou a construir (ver caixa) -, e solicitou autorização para pagar em três prestações semestrais e sem juros uma parte dos 7.198 contos restantes. Motivo: a crise do sector imobiliário e a demora na aprovação dos projectos. Daquele total, contudo, só viria a pagar 3.264 contos.
Sampaio fechou os olhos nas Torres dos Jerónimos
Em Janeiro de 1986, a câmara emitiu as licenças de construção dos dois edifícios e as escavações foram iniciadas, desencadeando uma enorme polémica que se arrastou durante anos, na imprensa e nos tribunais, e que ficou conhecida como o caso das Torres dos Jerónimos. Surpreendido pela abertura de um enorme buraco destinado à construção das caves dos edifícios, o IPPC, então presidido por António Lamas, embargou os trabalhos, sustentou que o deferimento dos projectos era "absolutamente nulo por ostensiva violação da
lei" e solicitou ao tribunal administrativo a declaração da sua nulidade.
Em Dezembro de 1989, dias depois de Abecasis ter perdido as eleições a favor de Jorge Sampaio, o tribunal deu razão ao IPPC e anulou o deferimento dos projectos. António Lamas alertou então o novo presidente da câmara para o que se passava, mas este nada fez para alterar a posição da autarquia. Pelo contrário, mandou para o Supremo Tribunal Administrativo um recurso com o qual o município se juntou aos que Bernardino Gomes já interpusera contra a anulação dos deferimentos.
Pouco antes, no final de Novembro, a câmara havia aprovado por unanimidade uma proposta de Abecasis com o objectivo de compensar o construtor pelos prejuízos decorrentes das posições do IPPC, "nomeadamente os danos e lucros cessantes motivados pela paragem das obras, honorários de advogados, custos financeiros e de projectos". Para isso decidiu ceder a Bernardino Gomes duas parcelas camarárias com um total de 2.268 m2, contíguas aos lotes em que o empreiteiro tinha a obra embargada, para que este pudesse construir no conjunto do terreno a totalidade dos m2 deferidos em 1984.
Além disso, e com vista a indemnizar o construtor pela "imobilização dos capitais investidos" antes do embargo, a autarquia deliberou entregar-lhe um lote para construção com 425 m2, situado na Rua Ramalho Ortigão nº 43, no coração do Bairro Azul. Às parcelas a ceder na Rua dos Jerónimos a câmara atribuiu o valor de 69.770 contos e uma capacidade construtiva de 7.534 m2 acima do solo. Ao lote da Ramalho Ortigão foi atribuído o valor de 82.620 contos e uma capacidade construtiva de 1.677 m2. E a deliberação foi ratificada pela Assembleia Municipal em 4 de Janeiro de 1990, com os votos contra do PCP e as abstenções do MDP e do PPM.
Compensar o promotor "na medida do possível"
Dias depois, em vésperas de deixar a presidência e já depois de o tribunal ter declarado nulos os despachos que levaram ao licenciamento das obras embargadas pelo IPPC, Abecasis e Bernardino Gomes assinaram a escritura de "dação em pagamento" através da qual o município, no seguimento da deliberação aprovada, pretendia "compensar na medida do possível" o promotor pelos "vultuosos prejuízos" sofridos e pela frustração dos "direitos e
expectativas" que lhe criara.
Nesse ano, com base naquela escritura, o empreiteiro começou a negociar com o executivo de Jorge Sampaio e com o IPPC os novos projectos que lhe permitiram construir na totalidade dos terrenos com que ficou na Rua dos Jerónimos cerca de 12.200 m2 acima do solo, em prédios de sete pisos, e ainda cerca de 10.000 m2 de estacionamento subterrâneo. Paralelamente avançaram também os projectos para a Rua Ramalho Ortigão.
Logo em Dezembro de 1992, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento aos recursos da câmara e do empreiteiro. Mas esse facto também não motivou qualquer mudança na posição da autarquia.
Bernardino Gomes, sem despender mais um tostão - para lá dos 365 contos pagos em 1978 e dos 3.264 contos que pagou em 1985 e 1986 -, já tinha conseguido assegurar os 12.200 m2 para a Rua dos Jerónimos e mais 1.677 m2 para a Ramalho Ortigão. Valores estes que somam 13.877 m2 acima do solo, mais do que cinco vezes a área que tinha direito a construir quando comprou o talhão da Graça e quase dez vezes mais se se considerarem também os cerca de 10.000 m2 construídos abaixo do solo na Rua dos Jerónimos.
Passados mais dez anos, ultrapassadas parte das reservas que o Ippar foi levantando às diferentes soluções arquitectónicas apresentadas, as obras arrancaram em finais de 2002 no buraco da Rua dos Jerónimos e estão agora praticamente concluídas. Na Ramalho Ortigão o assunto resolveu-se mais depressa (ver caixa) e os seis pisos aprovados por Jorge Sampaio ficaram concluídos em 1997.
Tudo isto por conta de uma fatia da encosta da Graça que, no ano passado, os serviços camarários consideraram que nem servia para construir um silo para estacionamento.
ACTUALIZAÇÃO DO FORMIGUEIRO
" Igualmente estranho foi o silêncio dos representantes das duas propostas mais elevadas, da Sociedade de Construções João Bernardino Gomes, que, de ânimo leve, aceitaram ser preteridas. Bastou a Domingos Névoa subir a parada de 57,171 para 61,950 milhões de euros (o valor mais alto em jogo) para somar à parcela da permuta mais 59 mil metros quadrados, que pretendia transformar num condomínio de habitação com 700 fogos. Note-se que Remédio Pires, director municipal dos Serviços Centrais, agora constituído arguido, participou neste processo,designado por Carmona Rodrigues.
A Bernardino Gomes, empresa que desistira dos terrenos de Entrecampos, acabou por ser a vencedora no outro negócio que está sob investigação da PJ. Trata-se do relativo ao Vale de Santo António, que BE, CDS-PP, PCP e Nuno Gaioso, vereador do PS, ainda tentaram suspender, por não existir plano de urbanização".
in: jornal de notícias (link)
" Ao JN, Dias Baptista - que juntamente com Natalina Moura viabilizou a operação - justificou a abstenção com o facto de entender que a operação "não tem riscos de maior" e lembrando que operações semelhantes foram levadas a cabo em anteriores mandatos. "Eu tenho memória", disse, justificando ter votado em desacordo com a maioria dos outros colegas de bancada, com quem as relações parecem estar "azedas".
in: jornal de notícias (link)
Estes dois vereadores municipais (Dias Baptista e Natalina Moura) pertencem ao PS, e foi a sua abstenção que viabilizou "o negócio" que, segundo eles, "não tem riscos de maior".
Parece que a Polícia Judiciária tem um entendimento diferente...
Já agora, o que queria Dias Baptista dizer quando afirmou "eu tenho memória"?
É uma história longa, anterior ao 25 de Abril, e na qual os partidos que entretanto governaram a CML têm a sua dose de responsabilidade, com particular evidência para o PS e o PSD.
Em 2004 José António Cerejo publicou no jornal Público uma investigação que, por estas bandas, se considera uma peça antológica sobre as práticas das várias vereações relativas a uma empresa de construção, a Bernardino Gomes.
Por se tratar de um texto indispensável para quem se interessa por estas "ninharias", passamos a fazer a sua transcrição integral (embora um pouco longa), deixando, no final, uma pequena nota de actualização ao texto de José António Cerejo.
O Milagre da Multiplicação dos Direitos de Construção
Por JOSÉ ANTÓNIO CEREJO
Sábado, 06 de Março de 2004
Faz agora 33 anos. Dois pequenos empreiteiros compraram um lote com 2.065 m2 na íngreme encosta da Graça, em Lisboa, mesmo por baixo da igreja da freguesia e do miradouro fronteiro. Nessa altura, a câmara admitia a possibilidade de ali autorizar a construção de um total de 2.494 m2 de habitação.
Com base neste pressuposto, e porque o executivo entendeu que a encosta devia ser preservada, a câmara e os proprietários iniciaram em 1975 um longo processo de negociações. E nas décadas seguintes, um desses proprietários - João Bernardino Gomes, que entretanto se tornou um dos maiores empresários do país nos ramos imobiliário e hoteleiro e teve o ex-ministro Vera Jardim como sócio em várias empresas - conseguiu obter das sucessivas maiorias camarárias os terrenos e as licenças com que viria a construir dez vezes a área a que tinha inicialmente direito.
Tudo sem pagar quaisquer taxas urbanísticas e entregando à câmara pouco mais de 3.600 contos como compensação dos 11.383 m2 de habitação e serviços e dos cerca de 10.000 m2 de estacionamento que construiu a mais. E isto quando, de acordo com as regras então em vigor, essas compensações deveriam ter ascendido, aos preços dos anos 70 e 80, a muitas dezenas de milhar de contos.
Quando Bernardino Gomes e o sócio adquiriram a estreita faixa de 2.065 m2 que sobe a pique da Rua dos Lagares até ao Largo da Graça, em Março de 1971, a capacidade construtiva deste lote ficava-se pelos 2.494 m2, a distribuir por dois edifícios novos - um previsto para a base da encosta, no lugar de um palacete em ruínas que ali existia, e o outro para o topo.
Na sequência de várias tentativas dos proprietários para aumentarem esta edificabilidade, a câmara indeferiu em 1973, para não desfigurar a colina, mais um projecto que apontava para a construção de 4.875 m2 acima do solo, quase o dobro do que estava autorizado, e de 1.970 m2 em estacionamento subterrâneo, num total de 6.845 m2.
Já em 1975, Bernardino Gomes começou a pressionar a autarquia com a alegação de que estava em risco de falir por não poder construir na Graça. Sensibilizado, apesar de se estar em plena euforia revolucionária, o presidente da Comissão Administrativa do município chegou a despachar no sentido de que se devia passar imediatamente a licença de obras "para não se incorrer no crime de levar à falência um empreiteiro".
Nessa ocasião, um dos responsáveis pelos serviços de Urbanismo travou o autarca e defendeu que este caso era "um dos tais em que nunca se deveria ter encarado a construção". E, para resolver o problema, sugeriu a realização de uma permuta de terrenos entre a câmara e os proprietários, por forma a "tentar salvar o que era possível" da encosta da Graça.
Mãos largas no Restelo para poupar a Graça
Logo no ano seguinte, a Comissão Administrativa aprovou a troca dos 2.065 m2 desta parcela por dois lotes municipais situados ao cimo da Rua dos Jerónimos, com um total de 1.623 m2. De acordo com um estudo de loteamento já aprovado pelo Governo, poderiam ser aí construídos 5.624 m2 de habitação, comércio e escritórios, bem como 1.728 m2 de estacionamento subterrâneo, o que totalizava 7.352 m2.
Partindo do princípio de que os dois empreiteiros tinham um direito de construção de 6.845 m2 na Graça - o que não era verdade visto o projecto que os previa ter sido indeferido em 1973 -, os serviços camarários fizeram as suas contas (ver caixa) e concluíram, depois de descontar as indemnizações que entenderam serem-lhes devidas, que o município tinha a receber 365
contos.
Formalizada em escritura pública de 1978, com Aquilino Ribeiro Machado como presidente da câmara, e numa altura em que do palacete da Graça só restavam algumas paredes, ficou estabelecido que, em caso de lhes vir a ser autorizada uma área de construção superior aos referidos 7.352 m2, os empreiteiros teriam de compensar o município de acordo com o critério que então vigorasse.
Chegados aqui, os proprietários, mediante o pagamento de 365 contos, já tinham assegurado um acréscimo de direitos de construção acima do solo equivalente à diferença entre 2.494 m2 e 5.624 m2, ou seja, 2.130 m2. Quatro anos depois, no final de 1982, Bernardino Gomes requereu autorização para construir nos lotes da Rua dos Jerónimos e logo a seguir comprou ao sócio a
parte que lhe coubera na permuta com a câmara. Os projectos então apresentados previam dois imóveis de 11 e 13 pisos com um total de 11.481 m2 acima do solo, mais que duplicando os 5.624 m2 estabelecidos com a troca dos terrenos.
Consultado o Instituto Português do Património Cultural (IPPC) - organismo que antecedeu o actual Ippar (Instituto Português do Património Arquitectónico) -, este considerou a proposta "inaceitável" por excesso de volumetria e informou a câmara em Junho de 1984. Apesar disso, o presidente da câmara, Kruz Abecasis, deferiu os projectos, argumentando que a resposta do IPPC tinha chegado fora do prazo legal. E no ano seguinte, aplicando as condições da permuta, os serviços camarários fixaram em 63.260 contos o valor da compensação a pagar pelo empreiteiro em função do aumento da área de construção de 5.624 para 11.481 m2.
Inconformado, Bernardino Gomes contestou o cálculo e conseguiu a redução daquele montante para 47.180 contos. Posteriormente, obteve o acordo de Abecasis para pagar a maior parte deste valor com infra-estruturas avaliadas em 39.982 contos - que nunca chegou a construir (ver caixa) -, e solicitou autorização para pagar em três prestações semestrais e sem juros uma parte dos 7.198 contos restantes. Motivo: a crise do sector imobiliário e a demora na aprovação dos projectos. Daquele total, contudo, só viria a pagar 3.264 contos.
Sampaio fechou os olhos nas Torres dos Jerónimos
Em Janeiro de 1986, a câmara emitiu as licenças de construção dos dois edifícios e as escavações foram iniciadas, desencadeando uma enorme polémica que se arrastou durante anos, na imprensa e nos tribunais, e que ficou conhecida como o caso das Torres dos Jerónimos. Surpreendido pela abertura de um enorme buraco destinado à construção das caves dos edifícios, o IPPC, então presidido por António Lamas, embargou os trabalhos, sustentou que o deferimento dos projectos era "absolutamente nulo por ostensiva violação da
lei" e solicitou ao tribunal administrativo a declaração da sua nulidade.
Em Dezembro de 1989, dias depois de Abecasis ter perdido as eleições a favor de Jorge Sampaio, o tribunal deu razão ao IPPC e anulou o deferimento dos projectos. António Lamas alertou então o novo presidente da câmara para o que se passava, mas este nada fez para alterar a posição da autarquia. Pelo contrário, mandou para o Supremo Tribunal Administrativo um recurso com o qual o município se juntou aos que Bernardino Gomes já interpusera contra a anulação dos deferimentos.
Pouco antes, no final de Novembro, a câmara havia aprovado por unanimidade uma proposta de Abecasis com o objectivo de compensar o construtor pelos prejuízos decorrentes das posições do IPPC, "nomeadamente os danos e lucros cessantes motivados pela paragem das obras, honorários de advogados, custos financeiros e de projectos". Para isso decidiu ceder a Bernardino Gomes duas parcelas camarárias com um total de 2.268 m2, contíguas aos lotes em que o empreiteiro tinha a obra embargada, para que este pudesse construir no conjunto do terreno a totalidade dos m2 deferidos em 1984.
Além disso, e com vista a indemnizar o construtor pela "imobilização dos capitais investidos" antes do embargo, a autarquia deliberou entregar-lhe um lote para construção com 425 m2, situado na Rua Ramalho Ortigão nº 43, no coração do Bairro Azul. Às parcelas a ceder na Rua dos Jerónimos a câmara atribuiu o valor de 69.770 contos e uma capacidade construtiva de 7.534 m2 acima do solo. Ao lote da Ramalho Ortigão foi atribuído o valor de 82.620 contos e uma capacidade construtiva de 1.677 m2. E a deliberação foi ratificada pela Assembleia Municipal em 4 de Janeiro de 1990, com os votos contra do PCP e as abstenções do MDP e do PPM.
Compensar o promotor "na medida do possível"
Dias depois, em vésperas de deixar a presidência e já depois de o tribunal ter declarado nulos os despachos que levaram ao licenciamento das obras embargadas pelo IPPC, Abecasis e Bernardino Gomes assinaram a escritura de "dação em pagamento" através da qual o município, no seguimento da deliberação aprovada, pretendia "compensar na medida do possível" o promotor pelos "vultuosos prejuízos" sofridos e pela frustração dos "direitos e
expectativas" que lhe criara.
Nesse ano, com base naquela escritura, o empreiteiro começou a negociar com o executivo de Jorge Sampaio e com o IPPC os novos projectos que lhe permitiram construir na totalidade dos terrenos com que ficou na Rua dos Jerónimos cerca de 12.200 m2 acima do solo, em prédios de sete pisos, e ainda cerca de 10.000 m2 de estacionamento subterrâneo. Paralelamente avançaram também os projectos para a Rua Ramalho Ortigão.
Logo em Dezembro de 1992, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento aos recursos da câmara e do empreiteiro. Mas esse facto também não motivou qualquer mudança na posição da autarquia.
Bernardino Gomes, sem despender mais um tostão - para lá dos 365 contos pagos em 1978 e dos 3.264 contos que pagou em 1985 e 1986 -, já tinha conseguido assegurar os 12.200 m2 para a Rua dos Jerónimos e mais 1.677 m2 para a Ramalho Ortigão. Valores estes que somam 13.877 m2 acima do solo, mais do que cinco vezes a área que tinha direito a construir quando comprou o talhão da Graça e quase dez vezes mais se se considerarem também os cerca de 10.000 m2 construídos abaixo do solo na Rua dos Jerónimos.
Passados mais dez anos, ultrapassadas parte das reservas que o Ippar foi levantando às diferentes soluções arquitectónicas apresentadas, as obras arrancaram em finais de 2002 no buraco da Rua dos Jerónimos e estão agora praticamente concluídas. Na Ramalho Ortigão o assunto resolveu-se mais depressa (ver caixa) e os seis pisos aprovados por Jorge Sampaio ficaram concluídos em 1997.
Tudo isto por conta de uma fatia da encosta da Graça que, no ano passado, os serviços camarários consideraram que nem servia para construir um silo para estacionamento.
ACTUALIZAÇÃO DO FORMIGUEIRO
" Igualmente estranho foi o silêncio dos representantes das duas propostas mais elevadas, da Sociedade de Construções João Bernardino Gomes, que, de ânimo leve, aceitaram ser preteridas. Bastou a Domingos Névoa subir a parada de 57,171 para 61,950 milhões de euros (o valor mais alto em jogo) para somar à parcela da permuta mais 59 mil metros quadrados, que pretendia transformar num condomínio de habitação com 700 fogos. Note-se que Remédio Pires, director municipal dos Serviços Centrais, agora constituído arguido, participou neste processo,designado por Carmona Rodrigues.
A Bernardino Gomes, empresa que desistira dos terrenos de Entrecampos, acabou por ser a vencedora no outro negócio que está sob investigação da PJ. Trata-se do relativo ao Vale de Santo António, que BE, CDS-PP, PCP e Nuno Gaioso, vereador do PS, ainda tentaram suspender, por não existir plano de urbanização".
in: jornal de notícias (link)
" Ao JN, Dias Baptista - que juntamente com Natalina Moura viabilizou a operação - justificou a abstenção com o facto de entender que a operação "não tem riscos de maior" e lembrando que operações semelhantes foram levadas a cabo em anteriores mandatos. "Eu tenho memória", disse, justificando ter votado em desacordo com a maioria dos outros colegas de bancada, com quem as relações parecem estar "azedas".
in: jornal de notícias (link)
Estes dois vereadores municipais (Dias Baptista e Natalina Moura) pertencem ao PS, e foi a sua abstenção que viabilizou "o negócio" que, segundo eles, "não tem riscos de maior".
Parece que a Polícia Judiciária tem um entendimento diferente...
Já agora, o que queria Dias Baptista dizer quando afirmou "eu tenho memória"?
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