quinta-feira, 18 de outubro de 2007

25 ANOS DEPOIS - II
No Reino dos Falsos Avestruzes
João Martins Pereira

Os cães de caça (ou os vendedores de mitos)
O pós-25 de Abril veio clarificar o posicionamento político dos antigos sectores oposicionistas. Como cada um pôde, felizmente, dizer tudo o que lhe ia na alma, começou-se a perceber que a grande "unidade anti-fascista" se desdobrava agora em diversas famílias partidárias. O período que decorre até ao 25 de Novembro não terá, neste aspecto, sido particularmente esclarecedor. A descompressão social foi de tal ordem, o "radicalismo" nas acções e na línguagem tão avassalador, que o simples discurso apelando à razão ou à moderação se via apodado de reaccionário, se não de fascista. Uma boa parte Uma boa parte da intelectualidade fascinou-se com a movimentação popular e com a descoberta de algo até então puramente livresco que era "um exército revolucionário": tornou-se de algum modo "esquerdista", se não "libertária". Outra parte foi-se acolher à sombra tutelar do "Partido", esperando porventura, a partir da célula dos intelectuais, insuflar-lhe uma nova dinâmica e uma maior flexibilidade. Os restantes andaram simplesmente "por aí", a ver em que paravam as modas, os mais conhecidos misturados agora nesse novo "melting pot" que era o Partido Socialista. Todos eles, no entanto, iam escrevendo coisas sobre o povo, o MFA e outros que tais temas próprios do tempo que corria. Enfim, so já no período de "normalização", depois de Novembro, se começam a definir as coisas, lentamente, que a decantação dos sobressaltos e das ideias é morosa como a dos precipitados na análise química. Aqueles para quem a "oposição" era já uma longínqua memória ou nunca mesmo existira, são os primeiros a levantar a cabeça: um Alçada aparece a dirigir "O Dia", um José Miguel Júdice adquire fama no "Diabo". Por essa altura, ainda um Cunha Rego era eminência parda de Soares, um Pulido Valente (ainda no PS) começava a enamorar-se de Eanes - e dar-lhe-ia forte esta inclinação, tempos depois -, um José Augusto Seabra afastava-se de Sá Carneiro a quem acusava de falta de democraticidade, um Barreto era ministro do PS, um Sttau Monteiro mantinha-se "compagnon de route" (se não mais) do PCP. Manuel de Lucena retomava um percurso que alguns textos seus sobre a "questão colonial" anteriores ao 25 de Abril prenunciavam. Em algumas intervenções pontuais ia-se desenhamdo o futuro conselheiro de Soares Carneiro: surpreendeu, à época, a sua defesa de Mota Freitas, o da rede bombista. No plano teórico, desenvolvia ao mesmo tempo laboriosas e intragáveis congeminações, destinadas às "elites" política e intelectual, sobre o corporativismo de antes e de depois do 25 de Abril, tendo como preocupação dominante a "questão de Estado". Estava em gestão o actual cronista permanente e ideólogo destacado do clube de "A Tarde".
in: joão martins pereira - no reino dos falsos avestruzes - editora "a regra do jogo" - 1983

Sem comentários: